Há uma porta no corredor, que separa essas duas áreas em conflito.
Os gatos não entendem o que está acontecendo. Os seus cantinhos favoritos estão revirados, as suas mantas e camas estão fora dos lugares habituais e há bípedes estranhos em circulação, bípedes que não só vivem no meio do caos como, aparentemente, fabricam o caos.
Lisk Feng |
Flor, Fonseca, Tiziu, Tobias e Lola, resignados, tentam manter a pose e o asseio, mas já descobriram que todo esforço é inútil.
Apenas Frida Gahto, que pouco tem descido do alto da sua prateleira, consegue conservar o pelo lustroso e imaculado.
Pobres gatos. Mal sabem eles que, no fim deste túnel, não há luz: há banho.
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É difícil raciocinar, viver e escrever com obra em casa. Tudo está sujo, mesmo o que está limpo. Tudo é barulho, mesmo quando há silêncio. Tudo é enervante, mesmo quando a tarde chega ao fim e o trabalho do dia termina.
Não é a primeira vez que isso acontece aqui em casa. Como gastei todo o dinheiro que tinha e que não tinha para comprar o apartamento, não sobrou nada, então, para fazer as reformas necessárias. Elas tiveram que vir aos poucos.
Quando as crianças eram pequenas, fizemos o que ficou faltando da cozinha. Quando viraram adolescentes, trocamos o chão. Imaginem isso: trocar o chão de um apartamento inteiro com duas crianças crescidas e seis gatos em casa.
Eu já não consigo imaginar mais.
O banheiro do meu quarto ficou por último. Ele era pesado e lúgubre, feito em granito escuro, mas funcionava.
Com o tempo, nem isso. Apartamentos antigos têm espaços bons, mas canos ruins. A gente vai deixando para lá porque se acostuma, porque obra é caro, porque há outras prioridades, porque os gatos.
Mas um dia, em pleno inverno, me dei conta de que, há anos, eu já não tinha água quente na pia. A torneira sequer rodava mais.
A minha relação com aquele banheiro acabou ali.
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As casas envelhecem junto com os donos. Em geral compramos os nossos imóveis no auge das nossas vidas produtivas, e eles tendem a congelar aquele momento do tempo. Os azulejos da cozinha e do banheiro, as ferragens das pias, os lustres, os interruptores: tudo fala de uma época.
Gosto de fazer arqueologia urbana nos anúncios do Zap. Eles já foram mais divertidos. Nos primeiros tempos, quando a ideia de negociar imóveis on-line era nova, as fotos eram ingênuas e espontâneas, e mostravam casas desarrumadas, panos de chão soltos no banheiro, roupas no varal; às vezes, aqui e ali, se via uma tia no sofá, uma criança que continuou brincando no quarto. Hoje todos já se deram conta do poder das imagens, e mesmo os mais humildes conjugados são exibidos com certa arte, paredes pintadas, janelas brilhando.
Bairros tendem a envelhecer juntos.
Em Copacabana estão os apartamentos dos velhinhos que se foram, postos à venda pelos familiares, com os seus antigos armários embutidos, os tanques de alvenaria, as torneiras que estavam tão em moda nos anos 70. Eles me lembram os apartamentos dos meus tios, os grandes triunfos materiais daqueles imigrantes trabalhadores e sofridos, postos nos trinques quando foi possível, mantidos a duras penas ao longo da vida.
Gosto de imaginar a história dos apartamentos e as vidas que passaram por eles. Gosto dos que têm personalidade, daqueles em que os moradores investiram pelo menos um pouco de criatividade além do dinheiro. Por outro lado, fico deprimida quando vejo uma enfiada de imóveis obviamente reformados para aluguel ou para serem passados adiante, despidos de qualquer humanidade nos seus materiais básicos, frios e sem erro.
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Quero, sobretudo, que saia água das torneiras, quando abertas, e que não saia, quando fechadas.
Tenho a exata noção desse privilégio.
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Hoje tive que fechar a porta do corredor enquanto trabalho no escritório porque a nova esquadria do banheiro ainda não chegou, e o buraco da janela está aberto. É um enorme risco para os gatos, que estão trancados do lado de lá, na sala.
Eles estão todos amontoados diante da porta, sorumbáticos, me esperando. Às vezes tentam forçar a maçaneta, às vezes miam, insistindo para que eu compartilhe com eles as agruras da vida revirada.
Calma, que eu já estou indo.
Cora Rónai
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