segunda-feira, fevereiro 24

Precisamos falar de Ivan Lessa

Chegaram os 90 anos de Ivan Lessa (1935-2025), aquele que disse “De 15 em 15 anos o Brasil esquece o que aconteceu nos últimos 15 anos”, e como não há nenhum livro preparado para saudar a data, qualquer homenagem ao grande escritor, parece que chegou a vez de o Brasil se esquecer dele – mas eu não.

Tinha humor ácido, cáustico, crítico, debochado (escolham, qualquer adjetivo será frágil para seu sarcasmo, inclusive sarcasmo) e foi autor de frases curtas, duras e grossas sobre o “Bananão”, que era como chamava o Brasil (saiu daqui em 1978 para morar em Londres, entre outros motivos, dizem, por não aguentar mais gente assobiando no elevador). Eu gosto especialmente da frase “Todo brasileiro vivo é um milagre”. Outra: “3 entre 4 políticos não sabem que país é este. O outro pensa que é a Suécia”. Que tal “Vamos deixar para trás esse negócio de sodomia”?

O paulista Ivan Lessa foi uma das estrelas do Pasquim, o jornal de humor que revolucionou a imprensa brasileira a partir de 1969, e em plena ditadura mandou frases como “O militarismo é a greve da inteligência”. Diante dos plásticos de “Ame-o ou deixe-o”, colados nos carros pelos golpistas de 64, Ivan respondeu com “O último a sair apague a luz do aeroporto”.

Dizia-se de fôlego curto, capaz apenas de frases, contos, crônicas (“Eu aprendi a escrever em duas laudas e meia”). Passou a vida atormentado pelos que, diante de seu manejo fabuloso das palavras, pediam um romance caudaloso – e aí Ivan aproveitava o ensejo para mandar um de seus bordões furiosos: “Vão se roçar nas ostras!”.

Os seus três livros de crônicas foram lançados por esforços de terceiros, afinal “Só se escreve para provocar um inimigo, conquistar uma mulher ou ganhar dinheiro”. Os fardões da glória literária não o motivavam: “Cada vez que morre um membro da Academia Brasileira de Letras um cidadão do Norte põe na máquina uma folha de papel e escreve: capítulo primeiro”.

Ivan não era de esquerda, nem de direita, defendia a liberdade de mandar o pau na canalha, fosse ela qual fosse, desde que fizesse por merecer a justiça do cascudo. “Vocês são todos uns idiotas”, dizia o título de uma crônica. Nem todas suas frases, publicadas nos jornais da época, podem hoje chegar aos olhos das novas gerações de leitores, gente de profundo prezo ao identitário e demais positivismos humanitários destes tempos. O estilo era o fino, o papo, um sopapo atrás do outro:

“Morrer no Nordeste é conhecido como migração em busca de melhores condições de vida”. “Se o latim é uma língua morta porque falam tanto em cunnilingus?” “Mesmo em terra de cego, quem tem um olho é muito malvisto.” “As feministas são donas dos próprios corpos. Agora, os dos filhos pertencem às creches.”

De 15 em 15 anos é preciso lembrar de Ivan Lessa, e aqui estou eu. Foi um dos maiores escritores brasileiros, parceiro de Machado e Veríssimo na arte de usar o humor para dar uma geral no “Bananão”. Continua atualíssimo: “O Brasil é o único país do mundo onde os criminosos não voltam ao local do crime. Na verdade, nunca o deixaram.” Ivan pode ser citado até para explicar o mais recente golpe da milicada: “Tudo na vida é passageiro, menos o general, o almirante e o brigadeiro”.

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