sábado, junho 10

Negro, livre e editor: o pioneiro Francisco de Paula Brito



Em uma crônica, publicada no “Diário do Rio de Janeiro” em janeiro de 1865, Machado de Assis escreveu: “Paula Brito foi o primeiro editor digno desse nome que houve entre nós”. Machado se referia a Francisco de Paula Brito, morto quatro anos antes, comerciante, livreiro, tipógrafo e editor que, entre 1831 e 1861, foi personagem fundamental do cenário cultural e político do Rio de Janeiro e, por consequência, do Brasil. Homem negro livre, empreendedor do negócio de jornais, periódicos e livros e editor pioneiro no país, Paula Brito ganha agora a alentada biografia “Um editor no Império: Francisco de Paula Brito (1809-1861)” (Edusp), do historiador Rodrigo Camargo de Godoi, fruto de sua tese de doutorado defendida na Unicamp, onde também é professor.

Godoi se aproximou de Paula Brito ao estudar, na sua dissertação de mestrado, as peças de teatro escritas pelo jovem Machado de Assis, publicadas pelo editor. Apesar de ser um personagem bastante conhecido da tradição literária, não havia uma pesquisa de fôlego sobre Paula Brito. O historiador viajou por três estados brasileiros em busca de documentos para remontar a árvore genealógica do editor e compreender o que tornou possível que este homem fizesse aquilo que fez. Godoi destaca que os familiares de Paula Brito foram, desde o século XVIII, se afastando do cativeiro, alfabetizando-se, tornando-se trabalhadores especializados e ascendendo socialmente. Uma trajetória que não foi incomum na primeira metade do século XIX.

— Os avós e os pais de homens como ele foram saindo da escravidão e ocupando todas as brechas possíveis na sociedade da época. Nesse período, há médicos negros, advogados negros, membros do Parlamento e da Assembleia Constituinte de 1823. A longo prazo, você tem grandes intelectuais negros na vanguarda do movimento pela abolição, no fim do século XIX — cita o historiador.

Paula Brito viveu no engenho arrendado por seus pais em Suruí, próximo de Magé, dos 6 aos 13 anos, quando veio para o Rio de Janeiro. Na capital, viveu com o avô Martinho e depois com o primo, o livreiro Silvino José de Almeida. Em 1824, começou sua carreira como aprendiz de tipógrafo na Tipografia Imperial e Nacional. Após quase quatro anos, conseguiu um trabalho na tipografia de René Ogier e, posteriormente, na de Pierre Plancher, ambos franceses. Em 1827, Plancher fundou, junto com o filho Émile Seignot-Plancher e o médico Joseph Sigaud, o “Jornal do Commercio” no Rio de Janeiro.

A tipografia, afirma Godoi, era um negócio promissor naqueles anos. O processo de independência multiplicou a produção e circulação de jornais e panfletos no país. Na oficina de Plancher, Paula Brito entendeu a proximidade entre tipografia e política: as boas relações do francês com Dom Pedro I garantiram à sua tipografia o título de impressor imperial.

— No século XIX, o tipógrafo era uma mão de obra altamente especializada. No Brasil, a imprensa nasce em 1808, tivemos pouco tempo para formar profissionais para o mercado de trabalho que se criava. Preparar essas pessoas demandou esforço — afirma o historiador.

O ano de 1831 é decisivo na trajetória de Paula Brito. Após não ser nomeado para um cargo no Senado, ele decidiu comprar a livraria do primo Silvino José de Almeida. A livraria não vendia só impressos, mas diversos produtos, de água de colônia a charutos. No ano seguinte, ele adquiriu o maquinário e começou a imprimir jornais na sua Tipografia Fluminense Brito e Companhia. Contudo, a concorrência e a repressão à imprensa pelo Regente Feijó, entre 1835 e 1837, dificultava a situação. Assim, Godoi mostra que foi o comércio, e não os impressos, que sustentou o negócio e permitiu que, na década de 1840, ele comprasse um prelo mecânico, antes da própria Tipografia Nacional ter um.

Entre a impressão de jornais e teses de Medicina, graças às suas boas relações com os doutores da Academia Imperial de Medicina do Rio de Janeiro, Paula Brito começou a publicar romances. Em 1843, saiu “Um roubo na Pavuna”, de Luís da Silva Alves de Azambuja Susano. Os folhetins se multiplicavam nos jornais cariocas desde a década anterior, mas a atuação de Paula Brito como editor — o profissional que compra os direitos de uma obra e assume os riscos de editá-la — era rara. Em seguida, veio “O filho do pescador: romance original brasileiro”, de Teixeira e Sousa, publicado em capítulos no jornal “O Brasil”. A aposta em autores brasileiros foi uma forma de o editor se destacar no mercado.

— Você tinha editores franceses no Rio, com laços de parentesco e de negócio na França. O consumo de literatura francesa era muito grande. E a pilhagem literária corria solta. Não existiam leis para proteger a obra. Paula Brito percebeu que, se tivesse romancistas brasileiros trabalhando para ele, criaria um mercado para a literatura nacional e narrativas com DNA brasileiro. A documentação mostra que ele tomou essa decisão para criar um produto diferente num mercado dominado por narrativas francesas — explica Godoi.


Na década de 1850, ele abriu a Empresa Literária Dous de Dezembro, uma sociedade anônima que se aproveitou dos capitais que buscavam novos investimentos após o fim do tráfico negreiro. Se, do ponto de vista do negócio, a empreitada foi desastrosa e as dívidas e ações na Justiça se multiplicaram, em termos literários a Dous de Dezembro foi a casa das peças de teatro de Martins Pena e Joaquim Manuel de Macedo, muito populares, e do poeta Casimiro de Abreu. O historiador ressalta que, à semelhança de Paula Brito, a figura do editor surgiu em vários lugares do mundo no mesmo período.

— O editor tem o papel de viabilizar a produção cultural. Um romance pode estar na gaveta, mas só vira produto se um editor compra e produz. Esse capitalista das letras surge ao mesmo tempo em várias cidades do Ocidente, caso dos irmãos Levy em Paris. Eles respondem a um anseio de globalização e internacionalização dos impressos e da cultura.

Negro, livre, empreendedor, com conexões políticas sólidas com o Partido Conservador e bom trânsito na elite imperial, Paula Brito morreu em 1861 antes que as teorias do racismo científico ganhassem força no Brasil. Na orelha do livro, Sidney Chalhoub, historiador e professor de Harvard, pergunta: quando, como e por que a sociedade brasileira fechou as portas para gente como Paula Brito? A resposta ainda está em aberto, mas os feitos do primeiro editor não podem ser apagados.

Leonardo Cazes

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