A melhor maneira de conhecer a região é ao lado de Rafael Darío Jiménez, autor e responsável pela casa museu de García Márquez. Seu trabalho, narrado a partir dos relatos dos vizinhos na biografia romanceada La nostalgia del coronel, sobre o avô do escritor, é um exemplo de como a memória coletiva pode caminhar entre a realidade e a ficção, no terreno do que a crítica literária chamou de realismo mágico.
“Cem anos de solidão se tornou a metáfora mais visível que se pôde criar sobre a América Latina. Essa família Buendía está em todos os nossos países”, opina. E ainda hoje existem personagens cuja vida é determinada por este universo. “Houve aqui um holandês que abriu um hostel e como ele se chamava Tim Aan’t Goor, um tanto gutural, então dissemos a ele ‘não, cara, você se chama Tim Buendía’ e ficou Tim Buendía”. Mais um para a família. “Pena que Tim teve de ir para os Estados Unidos.”
As histórias de Cem anos de solidão têm, exatamente, essa característica das lembranças familiares, à qual cada geração acrescenta uma camada de experiência e percepção pessoal. Gabriel Torres García, sobrinho de Gabo, acaba de almoçar em um lugar batizado de “pátio mágico”, na casa de Dilia Todaro. “Para nós, é a história de nossa família de um forma cifrada. Realmente, há muitos personagens que nascem dos membros da família. É o legado que nos deixou para sabermos quem somos”, explica. “Nos conta as histórias de muitos parentes que viveram quando nós não tínhamos nascido, que são quase lendas para nós. É o manual de comportamento da família García Márquez, mas ao mesmo tempo do comportamento de qualquer família do Caribe.”
Gabo construiu devagar seus personagens. “É possível encontrar muitos vestígios de Cem anos de solidão em El Heraldo, de Barranquilla, sobretudo em sua coluna Las jirafas”, aponta o escritor colombiano Álvaro Suescún. “As duas primeiras, escritas em junho de 1950, chamam-se O filho do coronel e A filha do coronel, referindo-se a Aureliano Buendía e Remedios la Bella. Já eram personagens estruturados e que foi desenvolvendo pouco a pouco”.
Essas figuras habitam a lendária Macondo, cuja origem continua sendo objeto de debate. Jaime Abello Banfi, diretor da Fundação Gabriel García Márquez para o Novo Jornalismo Ibero-americano (FNPI), é um dos maiores especialistas na vida e a obra do escritor. Há algumas semanas chegou a uma aldeia, perdida no meio de uma antiga fazenda produtora de bananas, em que detectou “uma consciência de comunidade”. A placa que recebe o visitante avisa: “Bem-vindos à verdadeira Macondo”. Embora não haja registros históricos nem sejam abundantes as provas documentais, seus habitantes garantem que foi fundada há dois séculos. Em todo caso, o que é indiscutível é que agora se chama ou se faz chamar assim. “Este povoado está desligado da importância mundial de seu nome”, reflete Abello.
Na manhã da última sexta-feira, crianças brincavam em suas ruas de terra. Primeiro apareceu à porta Julián Mejía, coordenador da escola, que chamou a líder social da comunidade, Vilma Arenilla. “Quem lê a história de Gabo logo percebe que se trata de nossa aldeia. Por exemplo, ele fala do rio de águas diáfanas e temos esse rio. Fala de pedras que parecem ovos, também temos. As borboletas amarelas também aparecem aqui em determinadas épocas”, diz Arenilla. Contudo, à margem das hipóteses sobre a suposta existência de uma Macondo real, esta comunidade, assim como Aracataca, vive marcada pela Macondo da ficção. “Muitos estrangeiros nos visitam. Da Alemanha, Argentina, México, Austrália, França...”, diz Milena Cifuentes, funcionária da casa museu. A viagem em busca do imaginário de García Márquez é um espelho que continua presente 50 anos depois.
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