No afresco do teto, as divindades despertaram. As fileiras de Tritões e de Dríades que dos montes e dos mares, entre nuvens púrpuras e lilases, precipitavam-se sobre uma Conca d’Oro * transfigurada a fim de exaltar a glória da casa Salina, surgiram de repente tão cheias de júbilo que negligenciaram as mais simples regras da perspectiva; e os Deuses maiores, os Príncipes entre os * Conca d’Oro (Concha de Ouro) é o nome da planície sobre a qual se encontra Palermo e arredores. Deuses, Júpiter fulgurante, Marte carrancudo, Vênus lânguida, os quais haviam precedido a turba dos menores, carregavam de bom grado o brasão azul com o Leopardo. Eles sabiam que agora, por vinte e três horas e meia, tornariam a ser os senhores da vila. Nas paredes, os macacos voltaram a fazer caretas para as cacatuas.
Debaixo daquele Olimpo palermitano, também os mortais da casa Salina desciam depressa das esferas místicas. As jovens ajeitavam as dobras dos vestidos, trocavam olhares azulados e palavras do jargão do internato; havia mais de um mês, desde o dia dos “motins” de Quatro de Abril, por prudência elas haviam sido trazidas do convento e estavam saudosas dos dormitórios baldaquinados e da intimidade coletiva com o Salvador. Os meninos se estapeavam pela posse de uma imagem de São Francisco de Paula; o duque Paolo, o primogênito, o herdeiro, já estava com vontade de fumar e, temeroso de fazê-lo na presença dos pais, apalpava no bolso a palha trançada do porta-charutos; em seu rosto emaciado aflorava uma melancolia metafísica; o dia tinha sido ruim: Guiscardo, o baio irlandês, pareceu-lhe desanimado, e Fanny não encontrara maneira (ou vontade?) de passar-lhe o habitual bilhetinho cor de violeta. Para quê, pois, o Redentor encarnara? Com ansiosa prepotência, a Princesa deixou cair secamente o rosário na bolsa bordada de azeviche, enquanto seus belos olhos obcecados espreitavam os filhos servos e o marido tirano, para o qual seu minúsculo corpo pendia numa vã aflição de domínio amoroso.
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