É claro que a crítica sempre detestou o mago. Parágrafos mal escritos, pobreza vocabular, diálogos artificiais, personagens estereotipadas, todos os defeitos imagináveis foram atribuídos aos seus livros. A academia, então, é melhor nem mencionar. Mestrandos e doutorandos que se atreveram a estudar a obra de Paulo Coelho receberam vaias em congressos e simpósios sobre literatura.
Os números acima, porém, indicam que o jogo aqui é outro.
Nada disso.
Surgiu um carioca mitômano com cara-de-pau suficiente para declarar que tinha poderes sobre a natureza. Dizia-se mago, ao que prontamente acrescentava: “a verdadeira magia está na vida das pessoas comuns”. Soou novo e irresistível. Os leitores estavam cansados daquela pose niilista dos intelectuais. Deus estava morto há tanto tempo que ninguém mais se lembrava do enterro. Era o momento de olhar para o céu, ou para dentro de si, e provar um pouco dessa tal magia que existe no cotidiano.
Enquanto os cadernos de cultura se enchiam de resenhas furiosas contra livros que, por venderem tanto, só podiam ser ruins, Paulo Coelho participava de todos os programas de entrevistas da TV, onde criou o maior e mais interessante personagem da sua obra: ele mesmo, um mago que escrevia, que tinha pensamentos profundos e que poderia mostrar o caminho.
Apresentava-se como uma espécie de Anakin Skywalker que havia cedido ao lado negro da força ao integrar uma tradição barra-pesada — “a esquerda da esquerda da magia negra” — mas depois voltara para a luz ao descobrir a verdade e aceitar a palavra de Deus no coração. Lorota? Não importa. Como contador de histórias, Paulo Coelho estava alimentando as pessoas com fantasia.
Ao mesmo tempo em que traduzia Jung para o vulgar, fazia cena com superstições infantis: nunca permitia que dissessem “seu último livro”, tinha que ser “seu livro mais recente”. Falava com reverência do seu mestre na misteriosa ordem de RAM, franzia o cenho ao repetir obviedades que tentamos esquecer (“todos que vivem vão morrer”) e recheava suas frases com as citações mais estapafúrdias, de Jesus Cristo a Bruce Lee, de Maomé a Neguinho da Beija-Flor.
E continuava controlando a natureza, é claro.
Num programa da extinta TV Manchete, alguém perguntou se ele se considerava o escritor mais importante do Brasil.
— Claro que sou — respondeu —, não porque eu tenha três livros na lista dos mais vendidos, mas porque os meus livros falam à alma e as pessoas que leem mudam, não porque eu, Paulo Coelho, escrevi, mas porque ali está a sabedoria de três, quatro, cinco mil anos atrás.
Por volta do ano 2000, uma guinada. Era preciso se reinventar. De repente não quis mais dizer que fazia chover ou tinha a capacidade de ficar invisível. Desejava superar a fase do mago que escrevia e ser reconhecido como um “escritor de verdade”, daí o seu movimento mais inesperado: candidatou-se a uma vaga na Academia Brasileira de Letras.
Muita gente chiou quando Paulo Coelho foi eleito para a cadeira 21, mas o fato é que ele apenas mostrou que o rei estava nu. Depois de vestir o fardão de imortal — uma desforra contra os críticos —, recuperou os poderes mágicos e desapareceu. Os acadêmicos pensaram que o renome internacional do novo membro traria prestígio à agremiação, mas Paulo Coelho, hoje vivendo na Suíça, dificilmente menciona a última seita na qual foi recebido.
Pode ser um escritor de estilo frouxo, mas pintou e bordou no mundinho miúdo da literatura brasileira. Sua principal contribuição já está dada, e é preciosa num cenário carente de autocrítica. Escancarou a extraordinária grandeza da nossa mediocridade.
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