Giovanni Giacometti (1868-1933) |
O filho de uma amiga (embaralhei um pouco os dados para que não o reconheçam) está vivendo momentos amargos. Tem 22 anos e é um gênio. Bilíngue em inglês e espanhol, ficou em primeiro lugar na prova de acesso à universidade na Espanha e foi destaque acadêmico do ensino médio. Após começar a faculdade em Madri, ele conseguiu uma prestigiosa bolsa internacional para continuar com os estudos nos Estados Unidos. Mas foi só entrar na universidade norte-americana que as coisas começaram a dar errado. Pegou uma doença atrás da outra, gripe, bronquite, gastrite; no final tinha tontura e taquicardia. Tirou notas ruins pela primeira vez na vida, que depois foram piorando. Foi diagnosticado com depressão e ansiedade – e voltou para casa sem concluir o curso. Ainda poderia regressar em setembro e, fazendo um esforço, salvar o ano e a bolsa. Mas se sente incapaz. “Não conseguia nem sequer entender o que me diziam. Era como se não soubesse falar inglês”, diz.
Eis o maldito inimigo interior mostrando a cara. Nós, humanos, somos mesmo criaturas estranhas e doentes: como se a vida já não bastasse para nos importunar; como se a existência já não tivesse sua parcela de conflitos, de sofrimento, de adversários pentelhos, invejosos e malignos. Além de tudo isso, ainda nos transformamos na pior companhia para nós mesmos. É a chamada tentação do fracasso, uma obscura atração pelo agravo e a derrota, uma perigosa paquera com o abismo. Como diz minha amiga, a violinista Mirari: “É isso que faz com que você vá para a cama às 2h da madrugada mesmo quando precisa levantar às 6h no dia seguinte.”
O inimigo em casa. Convivemos com um tirano íntimo que torna tudo mais difícil para nós. E age de forma capciosa, de modo que muitas pessoas atravessam a existência ignorando que são elas mesmas que se prejudicam. Rejeitam certas promoções no trabalho, por exemplo, dizendo preferir uma vida mais simples, quando a verdade é que o desafio as deixa em pânico. Ou afirmam que não gostam tanto de escrever, de fazer teatro ou de se dedicar às corridas de motos; que tudo isso são meras curtições juvenis e que preferem ser advogadas ou algo assim. Mas o certo é que morrem de medo de tentar e não conseguir, de querer e não chegar.
Isso sem falar no campo sentimental, em que a autossabotagem alcança níveis altíssimos. Assim, pode ser que a pessoa reclame amargamente de sua falta de sorte no amor, sem perceber que sempre escolhe o parceiro inadequado: o que vive muito longe, o que já está comprometido e carece de futuro. E também existe o caso clássico de forçar uma ruptura porque você tem medo de que a outra pessoa termine antes. Ou faz isso sentido que está bem demais com ela, e – como essa felicidade haverá de acabar um dia – prefere desferir um golpe no próprio peito agora para não sofrer mais depois. O medo da felicidade e a tentação do fracasso são as duas caras da mesma moeda.
Claro que nem todo mundo é autodestrutivo. No entanto, quem nunca sentiu em seu interior essa bola de neve da insegurança, que ameaça destruir tudo? Basta ser perfeccionista demais, basta falhar em algo que te interesse muito, basta sentir sua própria fragilidade e não saber assumi-la para você começar a se boicotar, para que seja cada vez mais incapaz de fazer as coisas bem, para desejar sair correndo em direção ao precipício, e que o final seja rápido, morrer já para não ter que continuar suportando a agonia da luta, alcançar a passividade final dos vencidos, a congelada paz dos cemitérios.
Eu adoraria poder dizer ao filho da minha amiga que sua insegurança pode ser sanada com o tempo, mas a verdade é que acredito que essa linha de sombra nos acompanha sempre. O que podemos é aprender a conviver com ela, a desdramatizar nossos dramatismos, a não dar tanta importância às derrotas. Ninguém fracassa em tudo, assim como ninguém triunfa em tudo. A frustração faz parte da vida. Os medos são sempre maiores que as feridas reais. E ninguém tem uma opinião tão ruim de você quanto o seu maldito inimigo interior.
Rosa Montero
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