terça-feira, agosto 7

Assim começa o livro...

“Para onde, ó esplêndido navio”, perguntou o poeta, observando da praia o grande veleiro desaparecer o horizonte. Talvez, como ele imaginasse,seu destino fosse algum porto do Pacífico; mas um dia, ouvindo sem dúvida um chamado irresistível, a embarcação chegou a North Foreland e a Reculvers, entrou nas águas estreitas do porto de Londres, deslizou pelas margens baixas de Gravesend, Northfleet e Tilbury até Erith Reach, Barking Reach e Gallion’s Reach, passou pelos gasômetros e estações de esgoto até encontrar, exatamente como um carro no estacionamento, o espaço a ele reservado nas águas profundas das docas. Ali, recolheu as velas e deitou âncora. 

Por mais românticos, livres e caprichosos que possam parecer, dificilmente há um navio nos mares que cedo ou tarde não ancore no porto de Londres. De uma lancha no meio da corrente pode-se vê-los navegando rio acima ainda com todas as marcas da viagem. Os navios de passageiros chegam com seus altos conveses, cobertas, toldos, viajantes agarrando as bagagens e debruçando-se sobre a amurada, enquanto os marinheiros indianos tropeçam e se agitam lá embaixo — e assim vão chegando mil desses grandes navios a cada semana para ancorar em casa, nas docas de Londres. Abrem caminho majestosamente através de uma multidão de cargueiros a vapor, transportadores de carvão, barcaças com pilhas do mesmo material e oscilantes barcos de velas vermelhas; embora amadores na aparência, trazem tijolos de Harwich ou cimento de Colchester, pois tudo é comércio, não há qualquer embarcação de lazer nesse rio. Atraídos por uma irresistível corrente, chegam das tempestades e calmarias do mar, do seu silêncio e solidão, para o ponto de ancoragem que lhes é atribuído. Os motores param; as velas são recolhidas; e, de súbito, as ostentosas chaminés e os altos mastros exibem-se desajeitadamente contra uma fileira de casas de operários, contra as paredes negras de enormes armazéns. Uma curiosa mudança então ocorre. Os navios não têm mais a perspectiva adequada de mar e céu por trás deles, assim como já não dispõem do espaço apropriado para esticar os membros. Jazem ali cativos, amarrados em terra firme como criaturas aladas atadas pela perna ao pairarem nas alturas.

Respirando a maresia soprada pelo vento, nada pode ser mais estimulante do que observar os navios subindo o Tâmisa — os grandes e os pequenos, os avariados e os esplêndidos, vindos da Índia, Rússia, América do Sul e Austrália, chegados do silêncio, do perigo e da solidão, passando por nós de volta ao abrigo. Contudo, uma vez as âncoras lançadas, uma vez que os guindastes iniciam seus mergulhos e oscilações, parece o fim do clima de romance. Se virarmos e passarmos pelos navios ancorados e seguirmos em direção a Londres, defrontamo-nos certamente com a perspectiva mais desoladora do mundo. As margens do rio estão crivadas de encardidos armazéns de aparência decrépita, amontoados numa terra que se tornou pantanosa, feita de lama escorregadia. O mesmo ar de decrepitude e decadência esmaga todos. Se uma janela é quebrada, assim continua. Um incêndio que recentemente tisnou um deles fazendo-o prorromper em bolhas não parece deixá-lo mais miserável e infeliz que seus vizinhos. Por trás dos mastros e chaminés, jaz uma sinistra cidade anã de casas operárias. Há guindastes e armazéns em primeiro plano; andaimes e gasômetros enfileiram-se e margeiam uma arquitetura-esqueleto.

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