Pablo Uranga y Diaz de Arcaya |
Me casaram várias vezes. Aos homens que feri em brigas pelo caminho, eu dizia: – Não há de ser nada; estou de passagem para Santa Maria.
E às mulheres que abracei: – Fiquem com os filhos. Eu levo a lembrança. Estou indo para Santa Maria, castelo de passarinhos.
Entre as muitas aldeias de pouso, numa acordei com banda de música e gente debaixo da sacada: – Senhor, sabemos que estais de passagem. Aqui ninguém presta. Aceitai ser o nosso chefe.
– Eu também não presto, respondi. E estou de passagem. Deixai-me dormir…
E bati-lhe a veneziana.
Fiquei. Armei pontes, retifiquei o rio. Construí piscinas e um auditório onde preguei a centenas de ouvintes.
Falaram-me de algumas precisões: um chafariz, uma igreja, uma escola, talvez uma nova seita. Que eu poderia etc…
Abri jardim para os namorados, horrorizei-me de meu próprio busto erguido entre as flores do canteiro principal.
E quando a moça mais linda que eu estreitara nos braços gemia: “Ó tu que para sempre será meu!”, logo eu atalhava: “Não pode ser, minha filha, não pode ser… Estou seguindo para Santa Maria, castelo de passarinhos…”.
Mais adiante, me condenaram. Respondi aos juízes:
– Para quê, se estou de passagem para Santa Maria? Mais vale, em vez da pena, um banho delicioso no rio.
E segui caminho.
Há mais de cinqüenta anos que estou indo para Santa Maria. O que não é sacrifício para quem sabe que há de chegar.
E enquanto não chego, vou-me distraindo à minha maneira, ora rindo, ora gemendo.
Os pequenos acontecimentos avultam aos meus olhos, os grandes se amesquinham.
Tomo parte na vida das cidades, nos negócios dos homens. E se acaso tropeço, não é contra as pedras, é contra a minha sombra.
Prendo-me aos seres e objetos com o fervor de quem vai perdê-los para sempre. Porque afinal este mundo, tal como está, se eu gosto dele um bocadinho, é no momento mesmo em que penso largá-lo. Mas isso eu nunca digo.
E vou andando…
Se alguém pergunta quem sou, respondem todos: – Não se sabe. Vive dizendo que está indo para um castelo de passarinhos…
Sempre assim.
Quando a vida me aborrece, largo tudo de repente, apanho a trouxa, e vou tocando devagarinho para Santa Maria, castelo de passarinhos…
Aníbal Machado
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