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Sarah Afonso |
Seu Paulino vivia de uma pequena loja de fazendas e miudezas, e era pastor protestante. Andava sempre de preto, colarinho alto, camisa de peito duro, punhos engomados adaptáveis. Casado, não tinha filhos. Às quintas e sábados funcionava na Casa de Deus. Aos domingos guardava o respeito. Às quatro e meia jantava e às seis já se preparava para o sono. Método e economia. Quando não havia luz elétrica era para não gastar querosene e pavio; depois da luz elétrica, para não gastar lâmpada, porque afinal, na bela cidade de Barbacena, luz elétrica era um fluido que se consumia em taxa fixa de cinco mil-réis mensais para cada casa. Havia na sua loja um divisa caprichosamente emoldurada, que só foi alterada uma vez: HOJE NÃO SE FIA. Dava-se que Pedrinho era um garoto de bom comportamento e que merecia frequentes afagos das mãos muito brancas e muito finas de seu Paulino, que gostava de crianças. Ora, os papagaios estavam empinados no céu, em plena Rua Quinze, e só Pedrinho não tinha papagaio e acompanhava de olho comprido as evoluções dos brinquedos dos amigos. Como a freguesia não era muita, seu Paulino estava na porta como criar um site observando os olhos compridos de Pedrinho. Seu Paulino falava fino: --- Não tem papagaio, Pedrinho? Pedrinho falava mais grosso que seu Paulino: --- Não, seu Paulino, não tenho dinheiro para comprar papagaio. Naqueles tempos felizes, uma folha de papel de seda custava um vintém. Um carretel de linha “Três correntes” custava cento e vinte réis, taquara é coisa que toda horta tem, graças a Deus. Seu Paulino, depois de uma hora de lutas interiores, resolveu fiar o papel de seda e o carretel de linha. E Pedrinho teve o seu papagaio, não com caco de garrafa no rabo, como era costume entre os garotos malvados ou belicosos, mas um papagaio verde e macio, com papelotes no rabo. Os anos rodaram, Pedrinho estudou, saiu da cidade, voltou doutor formado. Houve festa para recebe-lo. Doze anos tinham se passado. Foi com emoção que seu Paulino o abraçou – estava contente com o seu amiguinho. Aí, porém, seu Paulino tremeu – Doutor Pedrinho tinha uma pequena dívida na cidade e era bom começar uma carreira sem dívidas. Doutor Pedrinho pagou duzentos e quarenta réis a seu Paulino, que, como se vê, não cobrou juros.
Marques Rebelo. Cenas da Vida Brasileira
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