Eis o resultado de uma discussão interessante com um leitor de 26 anos que tinha acabado de ver o Blue Velvet no telemóvel. Partiu da uma pergunta desastrada que fiz: porque é que não tinha visto o filme num cinema?
Porque não gosta de estar com outras pessoas a reagir ao que ele está a ver. Porque não gosta de estar preso numa sala de cinema. Não gosta de estar preso aos horários dessa sala. Aliás, não gosta de horários. Não gosta de ter de se adaptar às horas e aos lugares que outras pessoas acham convenientes. Mas também não gosta de incomodar ninguém.
Gosta de ser ele a decidir a hora e o lugar onde se entrega à contemplação de um filme ou de outra coisa qualquer. São estas as razões — razões de autonomia, de espontaneidade e de prazer — que o levam a gostar de ler livros. Gosta de escrever nos livros, reagindo ao que lê de maneira a poder fixar e, mais tarde, poder reler essas reações.
Um livro deixa que seja o leitor a mandar nele: no horário, no lugar, no capricho, no passeio, no tédio. É o contrário de ver um filme num cinema. Mas não é como ver um filme no telemóvel: a grande maioria de filmes não foram feitos para serem vistos em telemóvel, enquanto as melhores obras escritas foram feitas para serem lidas em livro.
Explica-se assim que os jovens estejam a comprar mais livros. Não interessa quais: o que interessa é gastarem dinheiro em livros impressos, separados, portáteis, inscrevíveis, arrumáveis, pesadinhos, recicláveis, oferecíveis depois de serem lidos.
Foi boa a hora em que os jovens tiveram direito a um telemóvel para cada um. Passaram a ler mais, e a escrever mais. Não interessa o quê, nem se bem ou mal. O que interessa é ler e escrever.
Deixaram de ter de partilhar, puderam concentrar-se nas coisas de que gostam e construir uma identidade sem interferências autoritárias. É isso que os afasta dos cinemas e empurra para os livros: a liberdade, o egoísmo, o prazer. Afinal, nem tudo é mau.
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