Mais, a leitura, para Wharton, a leitura deliberada ou volitiva, seria diferente do simples ato de ler, assim como a sabedoria e o conhecimento não devem ser confundidos ou usados como sinónimos, também os modos de ler devem ter gradações. Neste ponto, afirma que a verdadeira leitura é como respirar. A eficiência da respiração deve-se ao facto de ser natural e de não ser preciso estar constantemente a pensar nela. O leitor lê como respira. Se pensar no mérito daquilo que faz, interrompe ou suspende a virtude do ato.
Outro argumento usado por Wharton é a ideia de que a leitura é um diálogo entre autor e leitor e que se não houver um abalo qualquer naquele que lê, então terá tudo sido em vão. A leitura deve resultar numa transformação e um leitor deverá saber que aquele que abre um livro não é a mesma pessoa que o fecha. A dimensão da transformação dá-se proporcionalmente às capacidades do leitor, dentro daquilo que poderíamos considerar a potência do livro, a espessura do conteúdo.
Mas devemos ser todos leitores? Wharton diz que não e compara com a música. “Ninguém espera que sejamos todos músicos.” Neste ponto, discordo. Somos todos leitores, uns melhores outros piores, mas a nossa vida depende da nossa capacidade de ler o mundo. Somos todos músicos, uns melhores outros piores, mas o nosso sentido de ritmo, harmonia e melodia orientam-nos na vida.
Quando nos perguntam se deveríamos ser todos músicos, talvez a pergunta devesse ser se a música é importante para as nossas vidas. Ou a poesia. Há uma demagogia na pergunta, que implica uma certa maneira de ler ou ouvir. Daniel Pennac, em Como um romance, diz que ler não tem imperativo. É como o amor. Não dizemos “ama”, do mesmo modo que não devemos dizer “lê”. Deve ser um ato livre, de volição, uma espécie de encontro.
Quando nos perguntam se deveríamos ser todos músicos, talvez a pergunta devesse ser se a música é importante para as nossas vidas. Ou a poesia. Há uma demagogia na pergunta, que implica uma certa maneira de ler ou ouvir. Daniel Pennac, em Como um romance, diz que ler não tem imperativo. É como o amor. Não dizemos “ama”, do mesmo modo que não devemos dizer “lê”. Deve ser um ato livre, de volição, uma espécie de encontro.
Assim, como disse Wharton, “ler não é uma virtude mas ler bem é uma arte”, resume muito bem a diferença dos que leem em relação aos que leem. Distinguir entre ambos os modos de leitura é também saber ler. Para uns o livro é um fóssil, com um conteúdo definido e isento de mais interpretações, para outros é um florescimento contínuo. Nada disto é novo, mas Wharton ilumina a questão muito bem, ainda que com possíveis reparos.
Lewis Carroll dizia que há vários tipos de alimentos para o ser humano, sendo que alguns são mais urgentes, outros menos, mas todos igualmente importantes, levando a analogia a posicionar-se como uma questão de saúde. “Haverá uma mente obesa?”, perguntava Carroll. A resposta não é clara, até porque, como dizia Virginia Woolf, um livro deve ser entendido como uma pergunta e a leitura enquanto alimento não é uma resposta a coisa nenhuma, mas a inquietação necessária a uma resposta efémera. Como se inscreve num território em que a certeza se erode, a leitura deve pertencer às atividades mais livres do ser humano e ter as mesmas características do amor, da amizade, do passeio.
Mas não devemos imaginar por isso que todos se passeiam da mesma maneira ou amam da mesma maneira. Um amante que lê o seu amor com mais sabedoria ou profundidade é um amante diferente daquele que o faz na superficialidade. Pousar um pé ou pousar um pé tem diferenças radicais. É a diferença de quem lê e de quem lê. Há muitos tipos de pegadas. Há muitos tipos de passeios.
Na verdade, comecei este texto a partir de um livro chamado Del vicio de los libros. Este começo implica uma acumulação que não é explicada, e que este vício, ao contrário de tantos outros vícios, é na verdade uma virtude. De facto, ter livros não é o mesmo do que ter dinheiro. Ter livros é como ter amigos, ter dinheiro é como ter como pagar a amigos.
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