domingo, abril 9

O passado que hoje é presente

Às vezes, herdo ou sou agraciado com um objeto a que me referi em algum livro. Em "Chega de Saudade", sobre a bossa nova, falei da caixa de fósforos Beija-Flor que, em 1956, Vinicius de Moraes botava de pé ao lado do copo, no bar Villarino, como generosa medida para sua dose de uísque. Pouco depois, o jornalista Edmilson Siqueira, de Campinas, surpreendeu-me com uma igualzinha. Até hoje, sempre que a vejo, imagino Vinicius pondo sua Beija-Flor junto ao copo para que o garçom o servisse à altura da caixa.

Numa entrevista sobre "O Anjo Pornográfico", minha biografia de Nelson Rodrigues, contei como custei a descobrir a marca de um objeto onipresente nas Redações de jornal em 1929: a escarradeira. Até que descobri: Hygéa. Pois não é que o produtor cultural Marcio Debelian me presenteou com um anúncio de uma linda Hygéa que encontrou numa revista antiga?


E, há dias, contei sobre um regalo inestimável que recebi: um lápis e uma pena que pertenceram a J. Carlos, o gênio do desenho no Rio moderno dos anos 20 e personagem de "Metrópole à Beira-Mar". Tal gentileza só podia partir de seu neto José Carlos de Britto e Cunha.

Agora, outro presente vem me desmontar: um ingresso do jogo Flamengo x Botafogo, no dia 9 de novembro de 1958, de que falei em "Estrela Solitária", sobre Garrincha. Chegou-me de Lages (SC), enviado pelo diretor de arte Mauricio Neves, colecionador de raridades referentes ao Flamengo.

Foi um jogo importante para Garrincha e falo dele no livro. Mas a razão de minha emoção diante desse ingresso é outra. Naquela tarde de 1958, eu estava lá, com meu pai, na arquibancada, em meio à torcida do Flamengo. Foi a minha primeira vez no Maracanã. Ao manuseá-lo, volto a ter 10 anos e, aterrorizado, vejo Garrincha driblar de novo toda a nossa defesa e cruzar mais uma bola que resultará em gol. Incrível, esse passado existiu e hoje é presente.

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