segunda-feira, julho 7

Como devem morrer as flores

Vejo, com tristeza, o amor sendo destituído de suas magias e poderes. Não há mais garotas suspirando nem garotos rabiscando poemas em bloquinhos. O amor é hoje um personagem estranho e é preciso preparar o ambiente para que, ao mencioná-lo, não estourem gargalhadas de zombaria. Pobre amor, merece ele isso, são justos todos esses sarcasmos? Dizem que ele não faz mais nascer flores. Mesmo que seja verdade, penso que estamos sendo impiedosos com ele. Poupemos nosso herói. Que ele, se já não faz nascer flores, possa ao menos fazê-las murchar romanticamente, melancolicamente, maravilhosamente, como devem morrer sempre as flores.


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Ah, se fôssemos loucos o bastante para ver nossa rua de repente coberta de flores tão soberbas que os carros se recusassem a passar por ela, para poupá-las. E se, saindo de casa pisando com cuidado, descalços, víssemos as outras ruas do bairro atapetadas de flores e soubéssemos, pela televisão, que todas as ruas de nossa cidade, e todas as ruas de todas as cidades do mundo estavam ocupadas por elas. E se pudéssemos, todos os homens, mulheres e crianças do planeta, esquecer de tudo mais e dedicar-nos à nossa saudável loucura de contemplar as flores e de ocupar-nos em mantê-las vivas.

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Os dias passam em vão. Para o amor morto, já não importam a chuva, o orvalho, o sol. Talvez venham a nascer flores da terra sob a qual o sepultaram. Mas de que lhe servem flores, agora? Se fossem para assinalar onde ele está, haveriam de ser flores tristes e doentias, como ele sempre foi, e ninguém irá parar para vê-las.

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O menino de cinco anos perguntou por que haviam posto flores no peito do padrinho. Disseram-lhe que talvez não houvesse flores no lugar para onde ele estava indo. O menino tirou então dois biscoitos do pacote e os juntou às flores.

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Tão feiosas são estas flores. Envergonha-me pensar que as rego para ti. Talvez por serem regadas por mão de homem, são mofinas, raquíticas, e é um milagre a brisa não as ter levado. O sol pouco as visita, não para poupá-las, mas porque lhe repugna seu aspecto, e os beija-flores não as incluem em seu plano de voo. Rego-as e quando olho para elas me vem – embora isso me doa tanto – a ideia de que melhor será tu tardares a vir, ou não vires nunca, para não saberes que meu amor continua sáfaro, incapaz e triste.
Raul Drewnick

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