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Ah, se fôssemos loucos o bastante para ver nossa rua de repente coberta de flores tão soberbas que os carros se recusassem a passar por ela, para poupá-las. E se, saindo de casa pisando com cuidado, descalços, víssemos as outras ruas do bairro atapetadas de flores e soubéssemos, pela televisão, que todas as ruas de nossa cidade, e todas as ruas de todas as cidades do mundo estavam ocupadas por elas. E se pudéssemos, todos os homens, mulheres e crianças do planeta, esquecer de tudo mais e dedicar-nos à nossa saudável loucura de contemplar as flores e de ocupar-nos em mantê-las vivas.
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Os dias passam em vão. Para o amor morto, já não importam a chuva, o orvalho, o sol. Talvez venham a nascer flores da terra sob a qual o sepultaram. Mas de que lhe servem flores, agora? Se fossem para assinalar onde ele está, haveriam de ser flores tristes e doentias, como ele sempre foi, e ninguém irá parar para vê-las.
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O menino de cinco anos perguntou por que haviam posto flores no peito do padrinho. Disseram-lhe que talvez não houvesse flores no lugar para onde ele estava indo. O menino tirou então dois biscoitos do pacote e os juntou às flores.
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Tão feiosas são estas flores. Envergonha-me pensar que as rego para ti. Talvez por serem regadas por mão de homem, são mofinas, raquíticas, e é um milagre a brisa não as ter levado. O sol pouco as visita, não para poupá-las, mas porque lhe repugna seu aspecto, e os beija-flores não as incluem em seu plano de voo. Rego-as e quando olho para elas me vem – embora isso me doa tanto – a ideia de que melhor será tu tardares a vir, ou não vires nunca, para não saberes que meu amor continua sáfaro, incapaz e triste.
Raul Drewnick
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