domingo, setembro 20

Assim começa o livro...

No dia 15 de maio de 1796, o general Bonaparte fez sua entrada em Milão à frente desse jovem exército que acabava de passar pela ponte de Lodi e de comunicar ao mundo que, depois de tantos séculos, César e Alexandre tinham um sucessor. Os milagres de bravura e de gênio que a Itália testemunhara em poucos meses despertaram um povo adormecido; ainda oito dias antes da chegada
dos franceses, os milaneses só os viam como uma corja de bandidos, acostumados a sempre fugir diante das tropas de Sua Majestade Imperial e Real: era, ao menos, o que lhes repetia três vezes por semana um jornaleco do tamanho de uma mão, impresso em papel sujo.

Na Idade Média, os lombardos republicanos tinham dado provas de uma bravura igual à dos franceses, e mereceram ver sua cidade inteiramente destruída pelos imperadores da Alemanha. Desde que tinham se tornado súditos fiéis,* o grande negócio deles era imprimir sonetos em lencinhos de tafetá cor-de-rosa por ocasião do casamento de uma moça que pertencesse a uma família nobre ou rica. Dois ou três anos depois desse grande momento de sua vida, a moça pegava um chevalier servant: às vezes o nome do chichisbéu escolhido pela família do marido ocupava um lugar de honra no contrato de casamento.

Estavam longe desses costumes efeminados as profundas emoções provocadas pela chegada imprevista do exército francês. Logo surgiram costumes novos e apaixonados. Um povo inteiro percebeu, no dia 15 de maio de 1796, que tudo o que respeitara até então era sumamente ridículo e às vezes odioso. A partida do último regimento da Áustria marcou a queda das ideias antigas: arriscar a própria vida tornou-se moda; viu-se que, depois de séculos de sensações insípidas, para ser feliz era preciso amar a pátria com amor verdadeiro e buscar ações heroicas. Estavam todos mergulhados numa noite profunda devido à continuação do despotismo zeloso de Carlos V e de Filipe II; derrubaram suas estátuas, e de repente se viram inundados de luz. Fazia uns cinquenta anos, e mais ainda à medida que a Encyclopédie e Voltaire estouravam na França, que os monges bradavam ao bom povo de Milão que aprender a ler ou a fazer qualquer coisa no mundo era um esforço de todo inútil, e que, pagando corretamente o dízimo a seu cura e lhe contando fielmente todos os seus pecadilhos, tinha-se mais ou menos a certeza de obter um lindo lugar no paraíso. Para irritar de vez esse povo outrora tão terrível e tão argumentador, a Áustria lhe vendera barato o privilégio de não mais fornecer recrutas a seu exército.

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