sábado, setembro 26

Os livros podem ser sempre os mesmos

“Não podemos nos banhar duas vezes no mesmo rio porque as águas se renovam a cada instante”. De acordo com a filosofia de Heráclito, nem o homem nem as águas do rio são mais as mesmas quando se volta a mergulhar. A lógica pode ser aplicada à leitura: não se lê duas vezes o mesmo livro. Em essência, o livro é o mesmo. Mas o leitor não.

Somos modificados pelas experiências reais e fictícias que vivenciamos ao longo do tempo. Por isso, a perspectiva, quando se relê qualquer livro, já será diferente. É comum que se passe a gostar de uma obra que, na época, não apreciamos por falta de compreensão. Ou o contrário: que uma obra pela qual éramos fissurados perca a graça após alguns anos, por causa da maturidade crítica adquirida. Só ao evocar lembranças de antigas leituras, certas vezes podemos perceber o quanto nossa maneira de pensar era outra!

Há também o caso de, a cada releitura, encontrarmos novos elementos não captados antes. Passamos a enxergar os detalhes, somamos nossos novos conhecimentos ao conteúdo inalterado do livro. Umberto Eco sabiamente percebeu que toda literatura é uma obra aberta, com infinitas possibilidades de leitura. A cada época e de acordo com cada leitor, ela será analisada e sentida de maneira diversa.

Portanto, cada releitura é uma redescoberta. Nossos livros de cabeceira jamais se esgotam, disponíveis a novas aventuras no momento em que estivermos preparados. Outras chances também podem ser dadas aos livros rejeitados no passado. Talvez passemos a valorizá-los agora. Talvez continuemos com uma impressão ruim, porém provavelmente por razões diversas. Até as obras que odiamos nos ensinam e nos modificam. Até as obras consideradas de pouca qualidade. Por isso talvez algumas pessoas resistam tanto a se apegar à leitura. Exercício perigoso esse, que nos faz entrar em contato com nosso universo interior e refletir sobre a vida. Amadurecer é um processo doloroso, bem entendido. Doloroso, porém recompensador. Adquirir maior consciência sobre si mesmo e o mundo ajuda a lidar com os desafios da vida de maneira mais confiante e fruí-la de modo mais sensível. Ou pode-se permanecer no terreno raso e ilusoriamente feliz. Cada escolha tem seu preço.

A literatura é um mar sem fim no qual podemos mergulhar sem correr o risco de morrermos afogados; boiamos, à deriva, em meio às ondas de diferentes intensidades. Nunca mergulhamos nas mesmas águas literárias mais de uma vez. Porque nos renovamos a todo instante e a literatura também. E você, leitor, certamente não será o mesmo após ler este texto, menos ainda após relê-lo um dia, se o fizer. Nem eu. Um brinde à mudança!
Nicole Ayres Luz

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