A velha estante que eu tinha na sala foi embora, substituída por uma outra, mais simples, mas que abriga o dobro de livros da antecessora. O processo da troca — tira livro, tira estante, limpa livro, põe estante, arruma livro — me fez pensar muito na nossa relação com os livros. Pois ainda que ler em papel continue sendo uma experiência muito mais completa do que ler em formato digital, e presentear e receber livros continue sendo uma felicidade, guardá-los em casa já não é mais tão necessário quanto era antes dos tempos da nuvem.
Guardamos livros por vários motivos: ou porque têm dedicatórias, ou porque gostamos particularmente deles, ou porque nos lembram momentos específicos das nossas vidas. Alguns, porém, guardamos apenas para garantir o acesso ao seu conteúdo caso tenhamos necessidade disso no futuro; mas, podendo encontrá-los tão rapidamente on-line, fica cada vez mais fácil passá-los adiante. É por isso que iniciativas como o book crossing ou a liberação de livros, em que eles são abandonados ao acaso para que outros leitores os encontrem, se tornaram tão populares.
Nossa relação com os livros está mudando muito rápido, sob todos os aspectos. Quando os primeiros CD-ROMs (lembram deles?) com enciclopédias foram lançados, não botei muita fé na sua universalização. Entendi imediatamente o seu potencial e o que representavam em termos de difusão cultural, mas continuei apegada à minha Britannica e aos dicionários de papel, que me permitiam encontrar, ao acaso, muitas palavras e verbetes interessantes enquanto buscava por outras coisas: esbarrar em “decalcomania”, por exemplo, na busca por “Decamerão”, era uma alegria que o mundo digital não nos proporciona mais. Eu achava, então, que jamais abriria mão do prazer de folhear a minha rica enciclopédia — mas entre ir até a estante, pegar um volume e procurar o verbete que me interessa, ou digitar uma palavra na barra de comando, acabou vencendo a alternativa mais simples.
Antonio Javier Caparo |
Livros de referência e o formato digital foram sem dúvida feitos uns para o outro, mas o mesmo não se pode dizer de todos os livros, indistintamente. Quando os primeiros leitores de e-books chegaram ao mercado, muitas matérias foram escritas decretando o fim dos livros em papel. A substituição da velha tecnologia pela nova seria apenas uma questão de tempo, pensava-se então. Mas o tempo, ele mesmo, tem provado que nada é tão simples: no ano passado, as vendas de livros impressos cresceram mais do que as vendas de e-books em mercados como Estados Unidos e Inglaterra, impulsionadas, quem diria, pela preferência dos jovens adultos pelo papel.
Na verdade, nota-se menos uma guerra entre os dois formatos do que um convívio bastante pacífico. Quem gosta de ler compra impressos e e-books indistintamente, dependendo das circunstâncias. Muitas vezes, o mesmo título acaba sendo comprado duas vezes pelo mesmo leitor, em papel para ficar em casa, em formato eletrônico para poder ser levado para cá e para lá. A parte mais recente da minha biblioteca, por exemplo, está tanto na estante quanto na bolsa. Continuo gostando mais dos meus livrinhos em papel, mas também adoro o meu Kindle, cada vez mais bem recheado.
Cora Rónai
Nenhum comentário:
Postar um comentário