No catálogo do Arquivo Lima Barreto, sob a guarda da Fundação Biblioteca Nacional (FBN), a referência ao conteúdo da pasta era “Pequeno Almanaque de Celebridades”. Ao abri-la, o português João Marques Lopes, professor de Literaturas Lusófonas na Universidade de Oslo, na Noruega, se surpreendeu ao encontrar tiras manuscritas com uma crônica desconhecida de um dos principais escritores brasileiros. Após a descoberta, Lopes vasculhou toda a bibliografia publicada do autor e confirmou que tratava-se de um texto, mais que inédito, completamente ignorado até hoje.
O manuscrito de “Portugueses na África” não está datado. No verso da última folha está escrito “devia ser publicada na ‘A Floreal’” e, na primeira, logo acima do título, há a anotação “Echos”. O pesquisador conta que, em 1907, Lima Barreto assinou a coluna “Echos” na revista “A Floreal”. A publicação, onde foram traduzidos os primeiros textos anarquistas no Brasil, teve quatro números e deixou de circular antes que a crônica fosse publicada. Por isso, ele datou o texto dos últimos meses de 1907. O original já está exposto na Divisão de Manuscritos da Biblioteca Nacional. A transcrição, junto com um artigo de Lopes, será publicada na próxima edição dos Anais da Biblioteca Nacional.
— Foi uma agradável surpresa. Lima tinha o hábito de usar muitas vezes o papel do próprio Ministério da Guerra, onde ele trabalhava nessa altura, para escrever. Ele cortava o papel em tiras e escrevia. O material não estava catalogado, estava entre outros textos conhecidos — conta ele.
Além de “Portugueses na África”, Lopes encontrou também uma crônica incompleta no Arquivo Lima Barreto. Nesse texto, intitulado “Jornais”, o escritor critica o alinhamento entre veículos da imprensa de Brasil e Portugal. E faz uma crítica aos periódicos da época pelo destaque que davam ao regicídio ocorrido em fevereiro de 1908. Em um atentado na Praça do Comércio, em Lisboa, o Rei D. Carlos e o príncipe herdeiro D. Luís Filipe de Bragança foram assassinados. O pesquisador afirma que a imprensa carioca da época era muito dependente dos capitais lusos, especialmente dos comerciantes.
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— Foi uma agradável surpresa. Lima tinha o hábito de usar muitas vezes o papel do próprio Ministério da Guerra, onde ele trabalhava nessa altura, para escrever. Ele cortava o papel em tiras e escrevia. O material não estava catalogado, estava entre outros textos conhecidos — conta ele.
Além de “Portugueses na África”, Lopes encontrou também uma crônica incompleta no Arquivo Lima Barreto. Nesse texto, intitulado “Jornais”, o escritor critica o alinhamento entre veículos da imprensa de Brasil e Portugal. E faz uma crítica aos periódicos da época pelo destaque que davam ao regicídio ocorrido em fevereiro de 1908. Em um atentado na Praça do Comércio, em Lisboa, o Rei D. Carlos e o príncipe herdeiro D. Luís Filipe de Bragança foram assassinados. O pesquisador afirma que a imprensa carioca da época era muito dependente dos capitais lusos, especialmente dos comerciantes.
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Portugueses na África
Os srs. já conhecem a coisa. De ano em ano, os jornais daqui e de além-mar noticiam estrondosas vitórias dos portugueses sobre os indígenas de suas possessões de África. No tempo dos “Lusíadas”, talvez por não existir o jornalismo periódico, não davam tanta importância a feitos idênticos. Pelo menos não tenho notícia que Lisboa festejasse retumbantemente Antônio Salema, que, aí pelos fins de Quinhentos, matou dez mil índios perto de Cabo Frio; e se ainda nos resta memória das proezas da gente assinalada em Diu e Goa é porque alguns cronistas precavidos e meia dúzia de poetas entusiastas registraram-nas em prosa de bronze, ainda áspero, e em grandiosos versos, um tanto monótonos.
Hoje, não havendo farta messe de ações heroicas, lá pelo velho Portugal, os jornais e o governo não deixam escapar uma só vitoriazinha. Os heroísmos são narrados um a um, em frases cheirando ainda à “Ilíada”; os retratos são publicados e os plutarcas afiam a pena para mais essa centena de varões ilustres.
O que há em suma? Esta coisa simples: um destacamento português, de cem ou duzentas praças, derrota uma partida de desgraça dos negros, duplamente desgraçados por serem negros e por viverem em possessões do Portugal necessitado de vitórias.
Pelo jeito, o governo lusitano precisa demonstrar a vitalidade da nação; precisa lembrar ao mundo que o sangue heroico dos varões assinalados ainda não está de todo acabado; e para tal organiza, de quando em quando, umas justas art-nouveau em que morrem algumas dezenas de negros (ora, os negros!) e os portugueses praticam heroísmos dignos de versos gregos e do triunfo romano.
Tenho para mim que esses negros flexíveis e adaptáveis a toda a sorte de misteres, desde o de bestas de carga até o nobilíssimo de adversários dos esforçados varões do Portugal moderno, têm que acabar um dia. Se isso se der, a velha metrópole vai se ver atrapalhada para arranjar quem se preste à demonstração experimental de sua heroicidade eterna; e, a menos que a gente a quem outrora Marte obedeceu queira combater os chimpanzés e os gorilas de África, Lisboa só terá festas com franco cunho guerreiro quando o governo das Necessidades sabiamente resolver condecorar com grandiosas solenidades os valentões da Baixa que se portarem heroicamente nas rijas com tripulações de barcos estrangeiros de passagem pelo Tejo. Então é que havemos de ver o indigesto Teófilo a explicar esse afloramento do Heitor português na população da sarjeta alfacinha e o velho Camões a bimbalhar nas colunas dos jornais: “Cale-se de Alexandre e de Trajano,/ A fama das vitórias…”
E poderá assim Portugal, e por muito tempo, achar nos seus registos de nascimento nomes que se possam contar naqueles outros em quem, como o Albuquerque terrível e o Castro forte, a morte não teve poder.
É ainda de Camões que, a meu ver, deve sofrer modificações convenientes para se adaptarem ao novo heroísmo de Portugal, se os nossos irmãos do Tejo querem um adaptador excelente, temos aqui à mão alguns experimentados em guerra. O Barão de Paranaguá calha, por exemplo…
Lima Barreto
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