Prólogo geral
Desfez março e a secura da estiagem,
Banhando toda a terra no licor
Que encorpa o caule e redesperta a flor,
E Zéfiro, num sopro adocicado,
Reverdeceu os montes, bosques, prados,
E o jovem sol, em seu trajeto antigo,
Já passou do Carneiro do Zodíaco,
E melodiam pássaros despertos,
Que à noite dormem de olhos bem abertos,
Conforme a Natureza determina
— É que o tempo chegou das romarias.
E lá se vão expertos palmeirins
Rumo a terras e altares e confins;
Da vária terra inglesa, gente vária
Põe-se a peregrinar à Cantuária
Onde jaz a sagrada sepultura
Do mártir que lhes deu auxílio e cura.
Naquele tempo, estando eu hospedado
Em Southwark, na Estalagem do Tabardo,
Pronto a seguir, em devoção, sozinho,
Na próxima manhã, no meu caminho,
Eis que de noite, unidos em viagem,
Chegam uns vinte e nove a essa estalagem;
Gente variada, todos peregrinos,
Ajuntados no acaso dos caminhos,
Rumando à sepultura milagreira.
Eram amplos os quartos e as cocheiras,
E descansamos em total conforto.
E para resumir, com o sol posto,
A todos eles eu já conhecia,
E conversando, uni-me à companhia.
E combinamos levantar co’os galos
E partir ao lugar de que vos falo.
Pra aproveitar o tempo da conversa,
Antes de dar ao conto início e pressa,
É justo que eu lhes faça a descrição
Dos viajantes todos, e a impressão
Que tive de seus ares e trejeitos
E a posição que ocupam por direito
E tudo o mais, do traje ao adereço.
E por um Cavaleiro, então, começo.
Um cavaleiro havia, de alma pura;
E desde suas primeiras aventuras,
Nas leis do heroico código vivia
— Liberdade, verdade e cortesia.
Mil guerras, bem servindo ao seu senhor,
Lutou, inigualado no valor.
Por toda a cristandade e entre pagãos,
De honor cobriu-se, em suma distinção.
No cerco pelejou de Alexandria;
Em conselhos não raro presidia
Nações em armas nos fortins da Prússia;
Andou na Lituânia, andou na Rússia
Mais do que outro cristão jamais ousara.
Lutou no reino mouro de Granada
No cerco de Algecira; e a Belmaria
Tomou, depois Aigai, logo Atalia.
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