As portas mal se abriam e por elas entrava a notícia. O
bibliófilo, tão amigo da livraria, morreu. Durante anos formou a biblioteca com
obras compradas naquelas estantes, algumas mesmo bem antigas. De tanta
freqüência quase diária se tornou não apenas o freguês mais constante, mas um
amigo da casa. Se já não comprava tanto, tinha-se por lá respeito a ele,
principalmente por ser o dono de uma rara edição de alto valor. E chegava a
hora de salvar a joia da biblioteca. Aquela mesma edição que o livreiro perdeu,
na época, por não ter dinheiro suficiente. Agora ele tinha o dinheiro e a
chance maior de comprar junto outras ótimas obras. O livreiro não podia deixar
de comparecer para dar as primeiras condolências à família, de quem com o tempo
também se tornou amigo. E lá se foi para o velório.
Chorou lágrimas sinceras, se comoveu pela surpreendente
morte, quando o bibliófilo sequer sofria de qualquer doença. Mas o olho do
livreiro não via o morto, via um livro pequeno, antigo, valioso. Era o único
brilho em meio a tanto luto. Foi assim por dias, até na igreja durante a missa
de sétimo dia. O livro estava no altar iluminado por velas, abençoado pelo
padre.
Cupins e viúvas, como dizia um velho livreiro, são os piores
inimigos de qualquer biblioteca. Não foi dessa vez que se rompeu a tradição. Devido
a tanta amizade, foi fácil adquirir e acertar um bom preço junto à viúva. E
logo logo os volumes deixaram a casa, onde marcavam ainda a presença do defunto
e, como ele, corpos mortos.
Na loja, o livreiro rapidamente loteava as caixas segundo o
melhor valor das obras. Era de um nervosismo surpreendente em pessoa tão calma
de falar baixinho. Diante daqueles livros se arvorou em um caçador aflito atrás
da presa mais importante.
E nada da preciosidade aparecer entre aquela papelada, que não era
pouca nem de pequena monta. Depois de
separar tudo e ver que ali não estava o que procurava, rumou para a casa do
defunto, levando o dinheiro do acerto. E não se aguentou para saber sobre
aquele livrinho pequenino, mas tão precioso, que não encontrou vasculhando a
biblioteca.
- Ah, meu filho, ele era tão apegado àquele volume que
ficava na cabeceira e toda noite ele folheava. Gostava tanto dele que coloquei
o livrinho no caixão debaixo da cabeça dele!
Adorei esse texto! Deu pra sentir o desespero do livreiro, rsrs
ResponderExcluirAbraço!