Plantado no meio do cruzamento, o louco do bairro é contador dos carros que vão e dos carros que vem.
Os que vem, conta na mão esquerda, dedo a dedo; os que vão, na mão direita, fechando cada mão depois que estica o quinto dedo, então começa a contagem de novo, carro a carro, dedo a dedo.
Se alguém pergunta se está contando os carros direitinho, ele faz careta e gestos aflitos de que não pode falar, está contando os carros!
E também é fiscal do tempo, quando cansa de contar os carros que, mesmo tão bem contadinhos, continuam sempre a passar.
Então vai andando pelo bairro, olhando tudo e nada, cabeça sempre girando mas olhar vago.
Fiscaliza, antes de tudo, se o tempo está passando como sempre.
Ou se o tempo parece que não está passando ou demorando a passar.
Se está sobrando tempo ou faltando tempo.
Como estão os passatempos e os contratempos.
E, sempre anotando tudo na caderneta de vento, não só fiscaliza como também passa a in-ves-ti-gar o tempo!
Aonde foi parar o tempo que passou, que é que aconteceu com o tempo perdido, e que fim levaram os tempos dourados?
Se vai fazer bom tempo ou mau tempo, e que tempo faria se não tivesse feito o tempo que fez.
Porque tem tanta falta de tempo enquanto também sobra tempo?
Porque às vezes fecha o tempo, e porque o tempo sempre abre depois de um tempo?
Quem é que está dando um tempo e pra quem, e quem é que está só dando um tempo ao tempo?
E o que é que anda acontecendo de tempos em tempos? Desde quando, desde o tempo da onça?
Quem é que está ganhando e quem está tomando tempo?! Quem está fora do tempo?… E, principalmente, quem é que está matando tempo?!
Qual a diferença entre tempo que esquenta e esquentou o tempo?
Porque, com tanto tempo, tantos deixam tudo sempre para a última hora?
E o imprevisto é primo ou tio do contratempo?
E porque é que o tempo às vezes parece que estaca e outras vezes parece que estica? Tem algo a ver com o tic-tac do relógio?
Acima de tudo, como é que o tempo, que não se vê, não tem cheiro, nem corpo tem, no entanto está em tudo, já que tudo passa com o tempo, ou não?
Alguém sorri, alguém acena, o louco vai em frente na sua suada fiscalização, na incansável investigação.
Não faz mal a ninguém, diz alguém. Outro diz que o louco só faz bem, palavrão engasga quando ele passa, apartam-se brigas, rancores se refrescam, temores se divertem, o louco só faz bem.
Quem dera, diz outralguém, todos fossem assim. O louco não ouve, voltando apressado para o cruzamento, a tempo de continuar contando os carros, enquanto ainda tem tempo.
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