domingo, junho 7

O Rio não pode desistir da livraria Leonardo Da Vinci

Há tempos que meus amigos querem me convencer de que o Brasil está pirando. Não acreditava muito, pois os problemas do país — políticos corruptos, populações raivosas — não me pareciam novidades, nem no Brasil nem no mundo. Mas quando li que a Livraria Leonardo da Vinci ia fechar, fiquei convencido. O Brasil está pirando.


Esse lugar havia sido um refúgio para mim. Vim ao Brasil aos 19 anos, quase por acaso, pois na faculdade era preciso estudar um idioma. Escolhi o chinês. Depois de duas semanas, desisti. Àquela altura do semestre não havia vagas em outros cursos e fui parar num curso de português, sem saber nada sobre o Brasil ou Portugal.

Ainda não sabia muito, além do idioma, quando tive a oportunidade de passar um tempo estudando em outro país. Pensei em ir ao Brasil, só por causa do idioma. Mas quando cheguei ao Rio e aluguei um apartamento térreo em Ipanema com uma discoteca barulhenta na frente, me dei conta de que não tinha nada para fazer.

Não conhecia nada, não conhecia ninguém. Assisti aos meus cursos sem entusiasmo, e vagueei pelo centro da cidade: isso também porque a Zona Sul dos anos 90 não tinha quase livrarias. Descobri os sebos da Praça Tiradentes e depois descobri a Leonardo da Vinci. Ainda lembro dessa felicidade, vinte anos depois.

Passei horas lá. Senti-me menos só naquela enorme cidade. Pelas recomendações, comecei, timidamente, a conhecer a literatura do Brasil: a literatura sempre foi, para mim, a melhor maneira de conhecer um país. E foi lá que eu comprei a obra quase completa de Clarice Lispector, que viraria um dos grandes eventos na minha vida.

E quando na minha cabeça não cabia mais português, ia lá comprar livros em inglês. A discoteca zunia perto de mim enquanto eu passava horas lendo as dezenas de clássicos que havia comprado em edições baratas. Boa parte de minha formação — no meu próprio idioma — devo a uma excelente livraria brasileira.

É por isso que fiquei tão triste ao saber que, após 63 anos, a Da Vinci fecharia. Não conheço os motivos precisos, além dos problemas habituais que uma empresa tradicional tem em se adaptar às mudanças que trazem novos tempos. Mas vejo que a livraria não está sendo vendida, o que lhe daria uma nova vida. Está sendo fechada.

Há tempos que o Rio enxerga um futuro cada vez menos de capital, cada vez mais de província. A combinação com o tradicional fatalismo do mercado de livros — que sempre vê mundo acabando — é quase mortal. Mas o Brasil melhorou bastante desde meus tempos de estudante. O mundo dos livros está irreconhecível.

Mesmo com a melhoria, uma cidade do tamanho do Rio tem uma enorme escassez de livrarias. Já está escandalosamente atrás de São Paulo — para não falar em Buenos Aires. Mas o que distingue uma cidade importante de uma cidade que simplesmente tem muitos habitantes é sua vida cultural. Praia existe em qualquer lugar.

É por isso que os cariocas não devem ficar apenas tristes com essa notícia. Há exemplos do que se pode fazer para preservar a instituição. Nos Estados Unidos, depois de anos de fatalismo — o e-book ia acabar com o livro, a pequena livraria ia ser devorada pela grande, a grande ia ser devorada pela Amazon — o mercado voltou a crescer.

Isso se deve em parte a iniciativas privadas importantes. Quando a livraria mais tradicional de Houston, minha cidade natal, estava ameaçada pela mesma situação que enfrenta a Leonardo da Vinci, minha mãe, junto com um grupo de investidores que contribuíram com relativamente pouco dinheiro, tomou conta.

Não era questão de construir um novo museu ou de fundar uma universidade. Bastava o trabalho e o compromisso de algumas pessoas. Ninguém ficou rico, mas também ninguém perdeu. E existe até hoje, guardado para a cidade e seus milhões de habitantes, um importante centro artístico e intelectual.

Não vejo por que alguns — três? quatro? — dos milhões de habitantes do Rio de Janeiro não poderiam intervir com um procedimento similar. Porque esses lugares não surgem à toa. Não devemos pensar que são facilmente substituíveis. É preciso gerações para construir uma história e um acervo como a da Leonardo da Vinci.

Agora, o paciente está às vésperas da extinção. Será preciso grande criatividade para reanimá-lo. Mas não está morto ainda. A dona, Milena Duchiade, tem dito nesse jornal que gostaria que a livraria continuasse e que está aberta a propostas. Que melhor desafio para quem quer contribuir para a vitalidade do Rio de Janeiro?
Milena Duchiade e sua mãe, Vanna Piraccini, fundadora da livraria 
Quem tomaria conta disso teria já a maior parte do patrimônio. Teria a oportunidade de modernizar uma tradição carioca. E também teria uma resposta — concreta e pessoal — ao venenoso pessimismo que consiste em ficar reclamando de um Brasil cujos problemas são inevitavelmente a culpa de outra gente.

Porque desistir da Leonardo da Vinci é, de certa forma, desistir do Rio de Janeiro. É uma maneira de dizer adeus ao Rio de Drummond e de Clarice e aceitar que, daqui para a frente, a cultura é um negócio de São Paulo — e de aceitar que o Rio estará ficando cada vez menos cidade maravilhosa.

Benjamin Moser

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