O melhor amigo de Mota, coronel Carvalho, também era português. Embora fosse casado, sempre abandonava a mulher sozinha num casarão do Engenho Velho, cuidando das filhas, e tinha a mesma vida solta do seu amigo e compadre.
Certa vez, Mota sumiu de circulação. Já havia quinze dias que Carvalho não o encontrava em lugar algum. Curioso para saber notícias do amigo, Carvalho foi visitá-lo em casa. Mota explicou que andava ausente por causa de um “achado”, uma “mulata deliciosa” que conhecera. Contou, então, como a tinha encontrado. Tinha tomado um barco onde marcara um encontro de negócios com um comerciante nordestino. No barco, viu uma linda mulata passando. De indagação em indagação, soube ela se chamava Alice e que viajava com um alferes do Exército. Também soube que o alferes era apenas um “amigo” e que ela estava indo para o Rio de Janeiro “fazer a vida”. Mota desceu do barco com a moça, levou-a para uma pensão e começaram a namorar. Orgulhoso de sua conquista, o comendador estava decidido a montar um apartamento para Alice, cobri-la de jóias e presentes, fazer dela sua amante permanente.
Querendo que Carvalho visse sua nova “aquisição”, Mota combinou que o amigo fosse à ópera na noite seguinte. Ele iria com Alice e ficaria nos camarotes. Carvalho concordou e, durante a apresentação, pôde apreciar Alice. De fato, ela era um “estouro”. Durante o intervalo, Carvalho ouviu um rapazola dizendo: “Que mulatão!”. Outro refletiu: “Esses portugueses são os demônios para descobrir boas mulatas. É faro.” O primeiro concluiu maliciosamente: “Parecem pai e filha.” Essa frase calou fundo no ânimo do coronel. De fato, a menina tinha o mesmo queixo de Mota, as mesmas sobrancelhas arqueadas, vagas semelhanças.
Após a ópera, Mota convidou Carvalho para ir com ele e Alice até um restaurante. Foram e, enquanto bebiam, contavam de suas vidas. Alice dizia que Recife era mais bonito do que a Corte. O comendador concordou e contou à amante que vivera seis anos naquela cidade. Perguntou onde ela morava e soube que tinham sido quase vizinhos. O comendador Mota começou a ficar cada vez mais curioso. Soube que a mãe de Alice tinha morrido há oito anos e que ela, agora, tinha vinte e seis.
Animada pelo vinho, Alice contou que, desde que ficara órfã, sua vida fora um tormento. Tivera vários homens, mas muitos a espancavam e maltratavam. Confessou que tinha medo de que fizessem com ela o mesmo que fizeram com sua mãe: que a roubassem e a abandonassem grávida. Segundo Alice, sua mãe tinha sido honesta. Quando moça, vivia na cidade do Cabo com os pais. Lá, foi seduzida por um caixeiro português que a levou para o Recife. Dois meses depois do nascimento de Alice, seu pai voltou ao Cabo para liquidar a herança que cabia à sua mãe pela morte de seus pais. De volta ao Brasil, o caixeiro partiu para o Rio de Janeiro e nunca mais tiveram notícias dele ou do dinheiro.
Abalado, o comendador perguntou como se chamava o pai de Alice. Ela disse que não sabia. Sua mãe negava-se a falar sobre ele. Então, ele a pressionou para dizer se lembrava de mais alguma coisa. Alice contou que, certa vez, sua mãe ficara sabendo que, no Brasil, seu pai envolvera-se num caso de moedas falsas. O comendador começou a passar mal. O coronel Carvalho e Alice não compreendiam. Então, num supremo esforço, o comendador Mota disse com voz sumida: “Meu Deus! É minha filha!”
Lima Barreto
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