Não era longe do porto, mas naquela época a noção de distância era outra. O tempo era mais longo, demorado, ninguém falava em desperdiçar horas ou minutos. Desprezávamos a velhice, ou a ideia de envelhecer; vivíamos perdidos no tempo, as tardes nos sufocavam, lentas: tardes paradas no mormaço. Já conhecíamos a noite: festas no Fast Clube e no antigo Barés, bailes a bordo dos navios da Booth Line, serenatas para a namorada de um inimigo e brigas na madrugada, lá na calçada do bar do Sujo, na praça da Saudade. Às vezes entrávamos pelos fundos do teatro Amazonas e espiávamos atores e cantores nos camarins, exibindo-se nervosamente diante do espelho, antes da primeira cena. Mas aquele lugar, Varandas da Eva, ainda era um mistério.
Ranulfo, tio Ran, o conhecia.
É um balneário lindo, e cheio de moças lindas, dizia ele. Mas vocês precisam crescer um pouquinho, as mulheres não gostam de fedelhos.
Invejávamos tio Ran, que até se enjoara de tantas noites dormidas no Varandas. A vida, para ele, dava outros sinais, descaía para outros caminhos. Enfastiado, sem graça, o queixo erguido, ele mal sorria, e lá do alto nos olhava, repetindo: Cresçam mais um pouco, cambada de fedelhos. Aí levo todos vocês ao balneário.
Minotauro, fortaço e afoito, quis ir antes. Foi barrado no portão alto, cuspiu na terra, deu meia-volta, quase marchando para trás. Era um destemido, o corpo grandalhão, e um jeito de encarar os outros com olho quente, de meter medo e intimidar. Mas a voz ainda hesitava: era aguda e grossa, de periquito rouco, e o rosto de moleque, assombrado, meio leso.
Gerinélson era mais paciente, rapaz melindroso, sabia esperar. Já namorava de dar beijos gulosos e acochos, e nos surpreendia em pleno domingo guiando uma lambreta velha, roubada do irmão. Na garupa, uma moça desconhecida, de outro bairro. Ou estrangeira. A máquina passava perto da gente, devagar, roncando, rodeando o tronco de uma árvore. Depois acelerava, sumindo na fumaceira. Ele sempre gostou de desaparecer, extraviar- -se. Gerinélson era e não era da nossa turma. Eu o considerava um dos nossos. Ele, não sei. Tinha uns segredos bem guardados, era cheio de reticências: não se mostrava, o rapaz.
O Tarso era o mais triste e envergonhado: nunca disse onde morava. Desconfiávamos que o teto dele era um dos barracos perto do igarapé de Manaus; um dia se meteu por ali e sumiu. Raro sair com a gente para um arrasta-pé. Ele recusava: Com esses sapatos velhos, não dá, mano. Um cineminha, sim: duas moedas de cada um, e pagávamos o ingresso do Tarso. E lá íamos ao Éden, Guarany ou Polytheama. Depois da matinê, ele escapulia, não ficava para ver as meninas da Escola Normal, nem as endiabradas do Santa Dorothea. Tarso queria vender picolés e frutas na rua, queria ganhar um dinheirinho só para entrar no Varandas da Eva. Mas era caro, não ia dar. Então tio Ranulfo prometeu: Quando chegar a hora, pago pra todos vocês.
Tio Ran, homem de palavra, foi generoso: espichou dinheiro para a entrada e a bebida. Depois tirou um maço de cédulas da carteira. Disse: Isso é para as mulheres. E nada de molecagem. Cada um de vocês deve ser um gentleman com aquelas princesas. Contamos as cédulas: dava e sobrava, era a nossa fortuna. Compramos na Casa Colombo um par de sapatos, e tia Mira costurou uma calça e uma camisa, tudo para o Tarso. Quando ele experimentou a roupa nova, parecia outro, ia chorar de alegria, mas Minotauro, maldoso, debochou: Deixa pra chorar depois da farra, rapaz. Quem fica feliz de roupinha nova é moça.
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