sábado, abril 29

Começar o dia

Café y lectura… nos espera un largo fin de semana con los libros (ilustración de Tidus)
Tidus

Lembrança do mundo antigo

Clara passeava no jardim com as crianças.
O céu era verde sobre o gramado,
a água era dourada sob as pontes,
outros elementos eram azuis, róseos, alaranjados,
o guarda-civil sorria, passavam bicicletas,
a menina pisou a relva para pegar um pássaro,
o mundo inteiro, a Alemanha, a China, tudo era
[tranqüilo em redor de Clara.

Recess reader / Descanso lector (ilustración de Dianne Dengel)
 Dianne Dengel
As crianças olhavam para o céu: não era proibido.
A boca, o nariz, os olhos estavam abertos. Não havia perigo.
Os perigos que Clara temia eram a gripe, o calor, os insetos.
Clara tinha medo de perder o bonde das 11 horas,
esperava cartas que custavam a chegar,
nem sempre podia usar vestido novo. Mas passeava
[no jardim, pela manhã!!!
Havia jardins, havia manhãs naquele tempo!!!

Carlos Drummond de Andrade

Outdoor

jasmyne:
“📚
”

Gracinhas, chorinhos e outros diminutivos

The word in the forest / La palabra en el bosque (ilustración de David Wyatt)
Via:bookspaperscissors
David Wyatt
Admita-se: nunca houve poetas com a cabeça tão assentada quanto os concretistas.

***

Que vocação policialesca têm os pronomes demonstrativos, sempre apontando: este, esse, aquele.

***

Com tanto Andrade, o modernismo não parecia um movimento – parecia uma sociedade.

***

Nas frases curtas, geralmente a única sabedoria consiste em poupar a paciência de quem lê e o fôlego de quem escreve.

***

Quer seja de boa, quer seja de má vontade, morrer é uma responsabilidade.

***

Não termos nada a dizer é às vezes a melhor notícia que pode receber nosso leitor.

***

Escrever é uma dessas insanidades que, depois de descobertas, precisam ser dia a dia confirmadas.

***

Como prezamos nossa pretensa sabedoria. Se for preciso, recorremos à terceirização. Nunca erramos, somos induzidos a erro.

***

Devemos ir aprendendo a nos exprimir com poucas e curtas palavras. É um exercício que nos valerá, no fim. O que teremos tempo de dizer? Talvez ai, talvez meu, talvez Deus.

***

Pobres estrelas, tão mediocremente ofertadas por tantos rabiscadores de poemas a tantas musas de deplorável categoria.

***

A melhor forma de sobreviver com a literatura ainda não está definida. A pior é ser escritor.

***

Estava tão bem no seu papel de morto que só um morto legítimo seria capaz de desmascará-lo.

***

O ócio é uma preguiça com pretensões intelectuais.

***

Para ela, o amor era como um objeto que, dependendo do dia ou da noite, podia ou não estar em sua bolsa.

***

Os barquinhos eram de papel porque eram gentis as enxurradas.

***

Recolhia as estrelas em uma peneira, para que, escorrido o leite delas, fosse menos penoso transportá-las.

***

Uma linha é uma linha ou um cacófato?

***

Um haicai deve ter o tempo exato de ser, sem a tentação de retoques.

***

Um poeta seria igual a uma pessoa comum, se uma pessoa comum tivesse a mania de ser poeta.

***

Deus criou os homens e Shakespeare deu-lhes forma.

***

Embora os escritores discordem, os maiores mártires da literatura são os leitores.

Raul Drewnick

sexta-feira, abril 28

Pouco que é muito


mennyfox55:
“Moeller ..
”Livro que deixa uma palavra já deixou alguma coisa
Monteiro Lobato

Descoberta do mundo

Descubriendo mundos… en la biblioteca (ilustración de Gary Kelley)
 Gary Kelley

Durma entre livros nos hotéis com bibliotecas

Apaixonados por livros adorarão saber que podem se hospedar em um lugar que até então só pensavam existir em seus sonhos. O hotel Literary Man fica a 90 minutos de Lisboa, em Portugal, e ostenta em suas paredes mais de 45 mil títulos.

Localizado em Óbidos, uma vila medieval de mais de 700 anos, o hotel Literary Man foi inaugurado no ano passado dentro de um antigo convento. Além de praticamente todas as suas paredes serem repletas de prateleiras forradas por livros, os pratos e coquetéis servidos no restaurante do local foram todos batizados em homenagem a lendas literárias.


O salão do Literary Man, em Portugal
Durante a hospedagem, é possível até mesmo reservar uma massagem à luz de velas cercado por livros, obviamente.

Este não é o único lugar onde é possível se hospedar e se sentir dentro de uma biblioteca. Na pacata cidade de Wigtown, na Escócia, uma pequena livraria chamada The Open Book possui um apartamento de um quarto no andar de cima. Quem alugá-lo pode ficar no espaço por até duas semanas pagando uma taxa de apenas US $ 42 por noite com o comprometimento de gerenciar a livraria no andar de baixo.

O trabalho durante a estadia é feito com o auxílio de uma equipe de voluntários. A iniciativa faz parte de um projeto um sem fins lucrativos criada pela Wigtown Festival Company. O programa de residência “visa celebrar livrarias, incentivar a educação na execução de livrarias independentes e acolher pessoas de todo o mundo à Scotland’s National Book Town.

No Japão, o hostel Book and Bed também apostou na paixão das pessoas pelos livros para projetar suas acomodações. O estabelecimento possui 52 camas com banheiros compartilhados e atualmente possui cerca de 2 mil títulos em inglês e japonês espalhados por seu espaço.

Nômades Digitais

quinta-feira, abril 27

Oh, dúvida cruel!!!

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Eu te consumo, ele enrriquece

Há alguns dias, Anderson França, o Dinho, grande escritor que despontou para o mundo dos livros impressos e distribuídos nas livrarias através da internet, autor de “Rio em shamas” (Editora Objetiva), conversava com os seus seguidores a respeito do eterno dilema de quem publica no Facebook — que, ao contrário do YouTube, e de blogs que eventualmente lucram com anúncios, não remunera ninguém: “Faço textos e crônicas de graça porque me realizo” escreveu o Dinho. “Mas entendo o argumento de quem diz que entretenho milhões de pessoas, e só o Mark ganha.”

Este é o drama de todos nós que produzimos conteúdo para a maior rede social de todos os tempos. Escrevemos — ou fotografamos ou fazemos arte e vídeo — porque gostamos, porque nos realizamos quando nos comunicamos com outras pessoas, mesmo percebendo que, enquanto doamos tempo e talento, quem realmente ganha com a nossa produção é ele, o Facebook. Isso é especialmente complicado para quem vive da sua produção intelectual, e que, apesar de contabilizar milhares de seguidores, continua enfrentando dificuldades. Likes, como aprendemos rapidamente, não pagam o aluguel.

John Holcroft
O problema é que o ser humano é o único animal que conta histórias. Das cavernas da Serra da Capivara, em que desenhos e pinturas nos falam de caçadas ocorridas há 50 mil anos, às telas de milhões de computadores e de celulares espalhados pelo planeta, formamos, desde que viemos ao mundo, extensas teias de conversas e de lembranças. Somos tão movidos pelo desejo de dividir sonhos e experiências quanto pelo de registrar o que nos acontece para tentar entender o mundo; uma atividade de tal forma necessária que, por vezes, chega a prescindir de plateia e de reconhecimento.

(Isso explica os longos diários das nossas avós fechadinhos a chave, os livros inéditos trancados nas gavetas que os autores não abrem para ninguém, ou, mais recentemente, os milhões de textos soltos na internet em blogs que contemplam o nada. Tanto faz que ninguém leia; muitas vezes, o importante é pensar, escrever, guardar memórias enquanto ainda estão frescas.)

É com essa necessidade imperiosa de comunicação que contam as redes sociais, que nascem e se formam de um desejo atávico marcado no DNA humano desde a pré-História. Em tese, a sua própria existência é a “remuneração” que oferecem, ao abrir plataformas que promovem o encontro de pessoas. Nessas praças gigantescas, as funções se sobrepõem: somos ao mesmo tempo picadeiro e plateia, consumidores e objeto de consumo.

O YouTube remunera os geradores de conteúdo porque ninguém está no YouTube por acaso, batendo papo — as pessoas vão ao YouTube para ver alguma coisa, e se essa alguma coisa não for interessante, deixarão de ir. O conteúdo que produzimos traz as pessoas de que o Google precisa. Já o Facebook, ao contrário, oferece público para o nosso conteúdo: essa é a sua moeda.

Um dia isso talvez se resolva. Pode ser que daqui a algum tempo, encontradas ferramentas de monetização (ô palavra horrível!), a gente olhe para trás e se espante:

— Mas como foi que produzimos tanto sem ganhar dinheiro?

Até lá, continuaremos nos encontrando todos os dias no planeta azul do Zuckerberg, gerando montanhas de conteúdo uns para os outros — e lucro, muito lucro... para ele.

Cora Rónai

quarta-feira, abril 26


Biblioteca de bambu de Liyuan (China), projeto de Li Xiadong 

Manifesto de um dinossauro paulista

Mando-te um abraço abatido, frouxo, melancólico, um abraço cheio de uma saudade que eu só poderia mandar numa carta, um abraço ressentido contra as simplificações da internet.

Um abraço decadentista, ultrapassado, um abraço de quem não aceitou nem foi aceito pela modernidade e que, voltando à canetinha bic, ao papel e ao envelope, sabe que se expõe à chacota, como se fosse um troglodita urrando na esquina da Paulista com a Consolação ou um dinossauro pondo a correr os caminhantes do Parque do Ibirapuera.

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Um abraço de quem não tem jeito para ficar dizendo que curtiu isso ou aquilo, um abraço de um ser que não se dá bem com as redes sociais e não precisa, nem quer, ter mais do que dois ou três amigos, de preferência um só.

Um abraço de quem sorri pouco mas quer saber para quem sorri, um abraço de quem quer olhar para quem sorri.

Um abraço de quem, tendo procurado a vida inteira uma linguagem, não consegue adaptar-se a essa que anda por aí, feita de coraçõezinhos desenhados, de rs, bjs e abs.

Um abraço de quem, se depender dos meios modernos, prefere morrer sozinho, com a barba crescendo em volta dos pés.

Um abraço de um cara triste, muito triste, que pretende contar essa tristeza para a pessoa certa, não para trezentos e oitenta ou quatrocentos e vinte desconhecidos virtuais.

Na livraria



Elizabeth Shippen Green

A nostalgia de Hitler

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Se Adolf Hitler tivesse vivido entre os elefantes, até hoje ele estaria sendo lembrado. Mas ele viveu entre seres humanos — uma espécie que, aparentemente, tem memória curta. As notícias o demonstram: não só existe hoje na Europa uma quase total ignorância a respeito do nazismo, como a figura de Adolf está agora revestida de uma auréola mágica. “Adolf Hitler, Superstar” — diz uma revista europeia. Um Führer glamorizado reaparece agora em livros e filmes. As suásticas reaparecem. Há partidos neonazistas em várias partes do mundo. E na Argentina tivemos, até há pouco tempo, uma onda de antissemitismo de inspiração nitidamente nazi, para o qual o caso Gralver (o financista que girava com o dinheiro dos montoneros) serviu de estopim.

Será que o nazismo está voltando? — me perguntaram jovens estudantes a quem, faz umas semanas, dei uma palestra. Na realidade, o nazismo nunca desapareceu totalmente; sob disfarce, ele permanece vivo e atuante em várias partes do mundo. Onde quer que tenhamos a intolerância, a repressão, o racismo, o velho Adolf estará presente, em espírito. Na Rodésia, por exemplo, ele estaria bem à vontade. Nem por isso, contudo, devemos ficar paranoicos. O Terceiro Reich não foi um episódio isolado, uma espécie de praga que se abateu sobre a humanidade; foi um movimento com raízes socioeconômicas e psicológicas perfeitamente identificáveis. Foi, em resumo, a expressão do desespero de forças econômicas acuadas. Atualmente, a direita (da qual o nazismo é o expoente máximo) não parece tão desesperada assim.

Nem os povos estão despreparados. Os tempos são outros; mas isso não nos deve dar descanso. Ao contrário. Precisamos falar no assunto, discuti-lo tanto quanto possível. Os totalitários se refugiam
no silêncio e nas sombras. Mas enfim, já que a moda Hitler está aí, e já que muita gente está faturando em cima do assunto, aqui vão algumas sugestões a respeito de como aproveitar a popularidade de Hitler — especialmente na sociedade de consumo, capaz de comercializar
qualquer coisa.

Eis alguns lançamentos de sucesso garantido: 

— Fogões a gás Terceiro Reich: extremamente limpos, silenciosos e econômicos. Equipados com forno crematório. 

— Uma dança para entrar na moda: o rock de Adolf. Um passo adiante, vários para trás. Uma volta para a direita. Um discurso inflamado. Termina com o fuzilamento do parceiro.

— Reich-Ball: é um jogo semelhante ao futebol, só que jogado em campo de concentração, rodeado de cercas eletrificadas. Uma vantagem desse jogo é que as equipes estão permanentemente concentradas, o que lhes dá uma disciplina invejável. O jogo, apesar do nome, não tem bola. Consiste em empurrar os adversários para câmaras especiais onde eles… Bom, seria de mau gosto descrever, ganha o time que consegue ter maior número de sobreviventes.

— Manteiga Blitzkrieg: não existe. O Terceiro Reich prometia canhões em vez de manteiga, lembram? A caixa de manteiga Blitzkrieg contém canhõezinhos em miniatura para as crianças brincarem. É educativo e não aumenta o colesterol, como a manteiga comum.

— Clínicas Mengele: o dr. Mengele, que trabalhava com cobaias humanas (injetava corantes nos olhos de crianças para torná-los azuis), bem que poderia abrir uma rede de clínicas para o tratamento dos indesejáveis.

— “Solução final”: um coquetel explosivo, à base de ácido cianídrico e napalm. Pode ser uma interessante variante nas festinhas de embalo.

Macabro, tudo isso? Pode ser. Em matéria de mau gosto não se compara com as fotografias (autênticas) dos novos nazistas empunhando bandeiras com suásticas.

domingo, abril 23

Refém do terrorismo

É preciso ter janela

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 Minha primeira providência em casa nova é instalar meus instrumentos de trabalho ao lado duma janela: mesa, máquina de escrever, dicionários, paciência. Além de pequenos objetos familiares: um globo de lata, uma galinha de barro, um Gorki de porcelana, um Buda de marfim e três cachimbos que há muitos anos esperam aparecer em mim o homem tranquilo e experiente que fume cachimbo. A janela também faz parte do equipamento profissional do escritor. Sem janelas, a literatura seria irremediavelmente hermética, feita de incompreensíveis pedaços de vida, lágrimas e risos loucos, fúrias e penas.
Paulo Mendes Campos

sábado, abril 22

Sábado para passear

'what, behind me?'  'yes, behind you right now'  'just looking at me?'  'just looking at you'  'are you sure?':

Agradecimento de leitor

jwl67:
“ Per Krafft the Elder (1724-1793)
Reading Boy (1758)
”
Per Krafft the Elder (1724-1793)

Penso no poder do escritor e orgulho-me de ser um dos seus leitores que ele não encontraria neste mundo, e a quem se destinaram algumas de suas páginas mais belas
Augusto Frederico Schmidt

Leitura em balanço

all-things-bright-and-beyootiful:
“  bibliolectors:
“  Swinging with reading / Columpiándose con la lectura (il·lustración de Lucía Cobo)
” ”
 Lucía Cobo

Emoção poética

alpha-venus:
“🅰Robert Sivell 1888-1958
”
🅰Robert Sivell (1888-1958)
Um dia, ao começar a escrever um livro didático sobre literatura, tive que dar uma definição da poesia e embatuquei. Eu, que desde os dez anos de idade faço versos; eu, que tantas vezes sentira a poesia passar em mim como uma corrente elétrica e afluir aos meus olhos sob a forma de misteriosas lágrimas de alegria: não soube no momento forjar já não digo uma definição racional, dessas que, segundo a regra da lógica, devem convir a todo o definido e só ao definido, mas uma definição puramente empírica, artística, literária. No aperto me socorri de Schiller, em quem o critico era tão grande quanto o poeta, e disse com ele: “Poesia é a força que atua de maneira divina e inapreendida, alem e acima da consciência.

Sabeis o que é atuar de maneira divina? Confesso lisamente que não sei. Mas conheço da poesia, por experiência própria, essa maneira inapreendida de ação “nunca pude explicar, em muitos casos, a emoção que me assaltava ao ouvir ou ao ler certos versos, certas combinações de palavras. A propósito, vou contar-voa uma anedota. Havia na Avenida Marechal Floriano um hotel que se chamava Hotel Península Fernandes. Toda vez que eu passava por ali e via na tabuleta aquele nome Hotel Península Fernandes, sentia não sei que pequenino alvoroço – alvoroço em suma de qualidade poética. E ficava intrigadíssimo. Porque aquele hotel de chamava Península Fernandes? Uma tarde, meu primo Antônio Bandeira, igualmente invocado pelo estranho nome, não se conteve, subiu as escadas e foi falar ao proprietário, que era um português terra-a-terra, e sem nenhuma fumaça de literatura.

- O senhor me desculpe a curiosidade, mas porque é que o seu hotel se chama Península Fernandes?

- Muito simples, respondeu o homem. Fernandes porque é o meu nome e Península porque é bonito!

O nome estava realmente explicado, mas a emoção poética não. Atuava de maneira incompreendida.
Manuel Bandeira

sexta-feira, abril 21

Cuidado!

 :

Ler um livro ajuda a reduzir o estresse

Lectora anónima (ilustración de Andreas M. Wiese)
Andreas M. Wiese
Na próxima vez que você ver alguém estressado, peça para ler um livro. Isso porque um novo estudo realizado pela Universidade de Sussex, na Inglaterra, descobriu que a leitura pode reduzir os níveis de estresse em até 68%.

A pesquisa foi realizada em um grupo de voluntários pela consultoria Mindlab International na Universidade de Sussex.

Para chegar ao resultado, os participantes tiveram seus níveis de stress e frequência cardíaca foram aumentados através de uma série de testes e exercícios antes de serem testados com uma variedade de métodos tradicionais de relaxamento.

A leitura funcionou melhor, reduzindo os níveis de estresse em 68%, disse o neuropsicólogo cognitivo Dr. David Lewis.

“Não importa que livro você lê, perdendo-se em um livro completamente absorvente você pode escapar das preocupações e estresses do mundo cotidiano e passar um tempo explorando o domínio da imaginação do autor.

Isso é mais do que uma mera distração, mas um engajamento ativo da imaginação, pois as palavras na página impressa estimulam sua criatividade e fazem com que você entre no que é essencialmente um estado alterado de consciência”, aponta Dr. David Lewis.

Os psicólogos acreditam que isso ocorre porque a mente humana precisa se concentrar na leitura e a distração de ser levado para um mundo literário facilita as tensões nos músculos e no coração.

Os sujeitos só precisavam ler, em silêncio, por seis minutos para diminuir a freqüência cardíaca e aliviar a tensão nos músculos, ele descobriu.

Na verdade ele tem sujeitos a estresse níveis mais baixos do que antes que eles começaram.

No mesmo estudo, os especialistas observaram que ouvir música reduziu os níveis em 61%, tomar uma xícara de chá de café baixou em 54% e fazer uma caminhada levou a 42%.

Jogos de vídeogame levou para baixo de 21% do nível de estresse, mas ainda deixou os voluntários com frequências cardíacas acima do normal.

Blog Diário de um Escritor

A metamorfose

Escrever para quê?

Fernando Pessoa | GabKT:
São curiosos os escritores. Dizem que nasceram para escrever, que não se imaginam fazendo nada além de escrever, que vivem para escrever. Mas como se queixam: ah, que cansaço é escrever, que tortura, que suplício, que desgraça. Dá pena ouvi-los. Somos tentados a nos oferecer para escrever por eles. Melhor não. Não há ninguém como um escritor para defender tão bravamente seu papel de vítima.

*

No início, quando a literatura em nós é ainda só um projeto, nós nos dizemos, como incentivo: escrever, escrever, escrever. No meio do caminho, nossa voz já não é tão resoluta: escrever, escrever. E, no fim, como náufragos jogados ao mar, insistimos ainda, mais como uma súplica do que como uma esperança: escrever.


*

O escritor novato, quando atinge o estágio de escrever bem, descobre que é aí que o verdadeiro trabalho começa. É hora de esquecer o advérbio bem e aprender a escrever, só escrever. Escrever bem é habitualmente sinônimo de ser maçante. O jovem escritor há de desconfiar da facilidade. Quando se fala de uma obra de arte, dificilmente a primeira isca lançada trará o melhor resultado. Na literatura, como em tudo na vida, há de haver algo amargo, doído, uma escavação que deixe ao menos um pouco de sangue à mostra nos dedos.

*

Comparado a outras atividades, o ato de escrever me parece quase uma distração. Invejo os lavradores, que tiram frutos da terra, e, entre os artistas, admiro os pintores e os escultores, que mexem com substâncias, com coisas tangíveis, que as transformam. Os escritores mexem em quê? Respondo por mim: em nuvens, em abstrações.

*

Minha ideia, há algum tempo, era escrever menos, para escrever melhor. Agora é parar de vez, para não escrever pior ainda.

*

E chega um dia em que escrever é só escrever. Você não está mais ali, a alma também não. É uma transação da qual participam apenas a sua caneta e o seu bloquinho. Nesse dia, você deve aceitar a imposição do tempo e dizer ao menino, que por acaso tem os seus olhos e o mesmo nome, que é hora de desistir, embora ele olhe para você com o ressentimento dos traídos.

*

Há muitos modos de ser um escritor. O melhor eu não sei, porém o pior é escrever por escrever.

*

A maioria dos que vivem para escrever não vive de escrever.

*
Escrever é uma atividade com a qual nos cansamos e maçamos os outros.

quarta-feira, abril 19

Leitura em lilás

 :

À segunda

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Imagino que seja uma grande alegria para qualquer escritor alcançar o aplauso da crítica, prémios e o reconhecimento do público com a sua obra de estreia. Porém, ao mesmo tempo, deve ser absolutamente aterrador para um autor que acabou de começar criar expectativas demasiado altas nos leitores em relação ao que virá a seguir. Conheço até alguns casos em que o livro de estreia acabou por ser filho único – ou passaram muitos anos até que esse escritor se atrevesse de novo a publicar. Hoje, as coisas são, ainda por cima, mais complicadas, porque, se um escritor tem muito sucesso e notoriedade com um primeiro romance, logo lhe exigem que publique outro a correr – o que nem sempre (ou quase nunca) dá bons resultados. Mas, segundo leio no The Guardian, a história da literatura está cheia de segundos romances excepcionais, muitos dos quais, no conjunto da obra, foram considerados os melhores ou mais populares daquele autor. Desde logo, Orgulho e Preconceito, de Jane Austen, ou Ulisses, de Joyce; mas também Tristram Shandy, de Laurence Sterne, ou Cem Anos de Solidão, de García Márquez, que são de facto os mais emblemáticos nas obras dos respectivos escritores. Eu acrescentaria, por exemplo, A Piada Infinita, de David Foster Wallace, Fahrenheit 451, de Ray Bradbury, Os Filhos da Meia-Noite, de Salman Rushdie, e Margarita e o Mestre, de Bulgakov. À segunda, é de vez.

O vazio

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Não há mais leitores porque a escola pública não forma bons leitores
Milton Hatoum

Canto de leitura

Vaya rincón de lectura! (ilustración de Kayla Harren)
 Kayla Harren

A volta ao mundo em 144 livros: um mapa-mundi feito com capas

World Literature V2

Não é fácil dizer qual é a obra literária mais representativa de cada país, mas houve uma tentativa no Reddit. Este mapa foi criado por Backforward24, um usuário do fórum, e, em cada país, vemos a capa de um de seus livros mais importantes. São 144 livros frente aos 193 Estados reconhecidos pela ONU.

Trata-se de uma segunda versão, já que a primeira continha alguns exemplos pouco canônicos. Por exemplo, o livro escolhido para a Espanha havia sido A Sombra do Vento, de Carlos Ruiz Zafón, mas, neste novo mapa de 18 de março, já aparece Dom Quixote de la Mancha, de Miguel de Cervantes. Mesmo assim, e apesar da colaboração de muitas pessoas sugerindo títulos, ainda há divergências. Para citar uma: a obra escolhida para Cuba foi Havana Bay, um romance em língua inglesa de Martin Cruz Smith, autor norte-americano.

Veja mais

terça-feira, abril 18

A nuvem que nos carrega

Lágrimas da leitura

toanunnery:
“Mother and Child (Lady Shannon and Kitty)
Sir James Jebusa Shannon. 1900-1910
”
Ao procurar as lágrimas encontram-se os livros: no século XVIII a leitura provoca doces efusões. Gosta-se de chorar, as mulheres no seu quarto, os homens no seu gabinete de trabalho, mas também se chora om as leituras feitas em comum.
Já no século XVII, "La Princesse de Clèves", de Madame de Lafayette, fez chorar os leitores. A Marquesa de Sevigné gosta de contar aos seus correspondentes as lágimas que verteu com a leitura de Pulchérie, a preça de Corneille.
Anne Vincent-Buffault, "História das lágrimas"

Leitura animal

lesstalkmoreillustration:
“Roberts Rurans & Eduards Balodis
Check us out on Instagram: @Lesstalkmoreillustration
”

A história para crianças que Borges nunca escreveu

Jorge Luis Borges inventou uma história infantil. Nunca a escreveu, mas a história sobreviveu ao esquecimento, uma palavra tão borgeana, graças à memória de uma das crianças que há 36 anos o ouviu com atenção infantil no apartamento do escritor no centro de Buenos Aires. Essa criança é hoje um adulto chamado Matías Alinovi. Estudou física, mas também é escritor. Por isso foi a pluma por trás do livro El Secreto de Borges (O Segredo de Borges), que a Pequeño Editor lançará no fim de abril, durante a Feira do Livro de Buenos Aires. Diante de uma bandeja de “balas importadas”, Alinovi e seus colegas da 4ª série da escola religiosa San Marón ouviram o segredo da longevidade de Borges, uma história que improvisou na hora para uma auditório pouco comum a sua rotina de estrela das letras argentinas. O livro de Alinovi recupera aquele relato oral a partir do olhar de um menino de nove anos, mas é muito mais do que isso.

A primeira coisa que Borges revelou às crianças foi que antes da chegada delas tinha dois medos. “O primeiro era que fôssemos, porque não sabia sobre o que falar com as crianças da 4ª série. Mas o segundo medo, que era mais forte do que o primeiro, era que não fôssemos. Não se entendia bem o que dizia”, escreve Alinovi. A partir daí começou o feitiço.
A história para crianças que Jorge Luis Borges nunca escreveu
“Vou contar a vocês como pude viver tantos anos”, disse Borges às crianças que o ouviam sentadas no chão em semicírculo, enquanto “olhava para cima, mas não via, e a cortina atrás da poltrona verde era muito branca e muito bonita por causa da luz do sol”. E o escritor revelou-lhes o segredo das tartarugas que viviam no poço de onde tirava a água que bebia na casa de sua infância, no bairro de Palermo. “Disse que ele, um dia, se pusera a pensar e percebera uma coisa: a água que havia tomado quando era criança não era água, mas água de tartaruga. E como as tartarugas viviam muito, ele tinha vivido muito”, escreve Alinovi no livro, ilustrado em tons negros e verdes por Diego Alterleib. O texto é simples e recupera os bastidores daquele encontro, com detalhes tão ricos quanto a própria história.

Porque a rota que leva as crianças ao apartamento de Borges merece um livro por si só, e assim o entendeu Alinovi, que conta a história que guardou na memória por quase quatro décadas como uma história infantil. “Lembro-me bem daquele dia, mas não sei se me lembro porque me lembro ou porque revisitei muitas vezes a cena”, diz Alinovi ao EL PAÍS. “Estava com o meu amigo José Manuel na saída da escola, um dia de tarde, e me lembro bem o momento em que ele me disse ‘hoje eu vou à praça, mas vou com Borges’. A sensação que quis transmitir é que esse Borges, o Borges que ouço de José Manuel, era um dado completamente neutro. Digo isso com os termos de [Ernesto] Laclau, era um significante vazio. Ali operou uma coisa muito bonita, porque era um significante vazio no qual eu coloquei algo, e o que coloquei nesse significante foi o rosto de José Manuel, que me disse ‘que chatice, não vai ser tão bom ir à praça”, diz. A partir daí, as crianças brincam com a história desse Borges “sem significado” e com a pressão dos adultos, conscientes de que estavam diante de algo que merecia atenção.

O que carrega o significante vazio do Alinovi criança? “O primeiro passo foi minha mãe. Quando eu contei a ela que José Manuel ia com Borges à praça ela disse, e eu lembro o tom maternal que usou, ‘não Matías, olha, Borges é um escritor muito famoso. José Manuel deve ter ouvido o nome por aí e te disse isso’. Mas José Manuel não estava mentindo. O menino era neto de Fanny, a governanta de Borges por mais de 40 anos e naquela época morava na casa de Borges. Na qualidade de inquilino tinha algumas obrigações, como acompanhar Borges à praça se sua avó pedisse.

O passo seguinte foi na escola. “A segunda coisa que me surpreendeu como criança foi a atenção em relação a José Manuel, que era um garoto menosprezado pela professora, uma freira. No dia seguinte ela se ocupou particularmente dele dizendo-lhe ‘mas como pode ser isso, menino?’ José Manuel respondeu, ‘é que eu moro com Borges’, e isso foi uma mudança impressionante na forma como a professora o tratava. Lembro que ela disse, ‘bom, você poderia perguntar a ele se as crianças da 4ª série poderiam ir à sua casa?’. No dia seguinte, José Manuel trouxe uma mensagem: “disse que sim’”.

Então foi preciso organizar a visita, especialmente porque tinha de estar sob o controle da escola. A professora pediu que as crianças preparassem as perguntas que quisessem, mas logo teve de “discipliná-las”. “Maximiliano queria perguntar quantas vezes tinha ganhado o prêmio Nobel. E Liliana, outra colega, queria perguntar quantas vezes havia se casado. As perguntas eram geniais. Crianças que não sabem nada apontaram e acertaram dois tiros no eixo de flutuação de Borges: o Nobel e as mulheres”, diz Alinovi.

Borges morreu em 1986, cinco anos depois daquele encontro com os estudantes da escola do bairro. Alinovi não voltou a vê-lo, mas guardou o registro da história que ouviu no apartamento da rua Maipú graças a um pequeno gravador que sua mãe lhe deu para a ocasião. O áudio original foi perdido sob alguma gravação descuidada, mas permitiu que Alinovi rememorasse várias vezes a conversa com Borges. Durante anos, a história deu voltas na cabeça do autor, até que ele encontrou a forma mais adequada de contá-la. “A única justificativa dessa história é recuperar a extraordinária capacidade de Borges para improvisar uma história diante de crianças da 4ª série. Porque ele improvisou. Tenho a sensação de que a tarde caiu em cima dele, Fanny deve ter dito ‘lembre-se que hoje vêm as crianças’, o sentaram e ele inventou uma história”, conta. A única história infantil do autor de Ficções não está no papel, mas sobreviveu na memória, onde venceu o esquecimento. Uma batalha digna de Borges.

domingo, abril 16

O voo das ideias

Vuelan las ideas, en libertad, entre las páginas de los libros (ilustración de Cristina Bernazzani)
Cristina Bernazzani

Confissão

barrau-laureano
Laureano Barrau Buñol 
Eu escrevo os livros que gostaria de ler
Jacques Attali

Casa de leitura

.:

Um Domingo de Páscoa

Na Guerra dos Mundos, de Wells, quando os marcianos já estão de posse de quase toda Londres, em uma das praças da cidade, eles topam com um estranho espetáculo que os faz parar de admiração, em cima de suas máquinas que a nossa mecânica não saberia nem conceber. É que encontram no largo, creio que fazendo roda, um troço de vagabundos, de falidos sociais de toda espécie, que cantam, folgam e riem, despreocupadamente, enquanto todos fogem diante dos habitantes de Marte, com o seu terrível raio de calor, as suas máquinas de guerra e o seu asfixiante fumo negro…

De noite, pelas primeiras horas de treva, quando me recolho à casa e subo a ladeira que é a rua em que ela está, se encontro crianças, brincando de roda, eu me lembro dessa passagem do extraordinário Wells. Durante as cinco ou seis horas que passei no centro da cidade, tudo o que conversei, tudo o que ouvi, tudo o que percebi nas fisionomias estranhas, foram graves preocupações. Não são já as de dinheiro, não é tanto o maximalismo que amedronta os pobretões, não é também a fórmula Rui-Epitácio que abala o povo e faz cansar os lindos lábios das mulheres. Meu pensamento vem pejado de questões importantes, algumas para mim unicamente, e outras para os meus descendentes, que não terei.

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Milton Dacosta (1942)
Subo a ladeira e logo dou com uma roda de crianças a cantar:

Ciranda, cirandinha!
Vamos todos cirandar!
Vamos dar a meia-volta,
Volta e meia vamos dar!


Para ouvi-las, paro um pouco, e, continuando a voltear, as meninas e infantes emendam:

O anel que tu me deste
Era vidro e se quebrou;
O amor que tu me tinhas
Era pouco e se acabou!

Parado ainda, considero aquela dúzia de crianças de várias origens e diversa pigmentação, pondo-me a pensar na importância de tanta coisa fútil que me encheu o dia, para as quais devia ter o transcendente desprezo e a superior despreocupação que aquela meninada tem e manifesta com seu brinquedo pueril e inocente.

Se faz lua, então eu me lembro de ver o céu, o que raras vezes faço e fiz. Quando andei fingindo que estudava astronomia, nunca quis observar estrelas pela luneta do teodolito. Preferi sempre encarregar-me do cronômetro que repousava no chão.

Hoje mesmo, não está em moda olhar o céu. No século XVIII, segundo Fontenelle, parece que era “chic”, até as marquesas faziam-no; e houve uma mesmo, a du Chatelet, que traduziu Newton e ensinou Física e Astronomia a Voltaire.

Não é toa, portanto, que uns versos postos em baixo da gravura de um seu retrato, dizem que ela “s’élève dans les airs et le but de ses travaux est d’éclairer les hommes”.

Atualmente, porém, não há muito amor às coisas do céu e todos estão preocupados com as terrenas. A cantoria das crianças, entretanto, faz-me sempre olhá-lo e é então que me aborreço de não saber o nome das estrelas e das constelações. Já houve tempo, que isto fazia parte do manual do namorado elegante. Era poético mostrar à amada o Cão, Arturo, Lira, a Vega, esta sobretudo, nas varandas ou sentado o casal nos bancos do jardim. Flammarion andava em moda e todo “almofadinha” daquele tempo sabia essa carta de nomes celestes; hoje, porém, as boas maneiras de um perfeito namorado não pedem tanto e as ingenuidades são mais apreciadas.

No último domingo de Páscoa, passei eu o dia com um amigo, cuja casa fica em uma das estações dos subúrbios mais consideradas pela posição social dos seus habitantes e muito conhecida pelos namoradores. A residência do meu amigo fica longe da estação, dá fundos para uma montanha que cai quase abruptamente e deixa adivinhar o granito de que é formada, pelas grandes massas dessa rocha que salpicam a sua vegetação escassa e rala. Quando há luar e ele dá de chapa nesse costão, aquela paisagem pobre de horizonte fica magnífica, imponente e grande. Domingo de Páscoa, porém, não houve luar; entretanto, no céu, as estrelas palpitavam de amor pela terra distante. A falta de luar, para poetizar o quadro, foi suprida pela presença de um bando de crianças, que, ao lado da habitação, entoavam as suas canções que devemos chamar infantis, acompanhadas de gestos e meneios adequados. Estive a ouvi-las; e todas elas me pareceram muito modernas, pois nenhuma era dos meus tempos de menino.

Não é de hoje que essas canções infantis são mais ou menos amorosas e tratam de casamentos e namorados. Acontecia isso nas antigas, e podia observá-lo nas modernas que agora ouvia naquele domingo.

A roda era de seis ou oito crianças e o chefe era um menino, Walter Borba Pinto, com nove anos de idade. Era carioca, mas os seus outros irmãos e irmãs, que estavam na roda, tinham nascido em vários pontos do Brasil, por onde seu pai andara cumprindo deveres de sua profissão militar. Guardei diversas cantigas e me pareceu interessante dar alguns exemplos aqui. Se todas fosse eu transcrever, talvez não chegasse um volume razoável; deixo, portanto, de parte muitas.

Eis uma delas, que me parece chamar-se “O Marinheiro”:

Não me namore meus olhos
Nem meus brincos das orelhas;
Só me namore meus olhos
Debaixo das sobrancelhas.


A seguir, há um estribilho que as crianças cantam, dançando aos pares alguns passos da valsa chamada – à americana – com balouço característico que o título da canção lembra:

Sou marinheiro!
Sou rei! Sou rei!
Adorador! Adorador!
Hei de amar! Amar!
És meu amor! Amor! Amor!


Ninguém me peça a significação disso tudo, porque nada percebo aí; mas ouçam cantada e dançada por crianças, que hão de ficar embevecidos e encantados como eu fiquei com essa canção. Tive curiosidade de perguntar onde o Walter a tinha aprendido a cantar, e disse-me ele, em resposta, que fora em Lorena. Como toda a gente sabe é uma cidadezinha que fica a meio caminho daqui para São Paulo, pela estrada de ferro; nas proximidades do Paraíba.

Com toda certeza esse “marinheiro” da canção, que é rei, deve sê-lo desse rio inspirador de poetas, cujo nome tupi quer dizer “rio mau”.

Não é de hoje que muitas canções populares não querem exprimir nada. A famosa “relíquia” – Tinherabos, non tinherabos – um monumento da língua de priscas eras, tem desafiado a sagacidade dos eruditos para traduzi-la: e houve um, o Sr. Cônego Dr. Fernandes Pinheiro, que a interpretou assim: “tinhas rabos, não tinhas rabos” etc…

Sílvio Romero citou essa interpretação, em plena sessão pública da Academia de Letras, e ela toda riu-se muito à custa do sábio cônego e doutor.

Na própria “Ciranda”, que é tão comum, para conhecer-lhe o sentido e significação, precisamos ir ao dicionário e saber que “Ciranda” é uma peneira de junco, usada na Europa para joeirar cereais.

No domingo de Páscoa, na sessão que as crianças me deram de seus brincos peculiares, há uma cantiga que é própria para desafiar a paciência de um sábio investigador, a fim de explicar-nos o seu sentido e objeto. Trata-se do “Sambalelê”, cujo texto é assim:

Sambalelê está doente,
Está com a cabeça quebrada;
Sambalelê precisava
Uma dúzia de palmada.


O estribilho, que é acompanhado de palmas e sapateados, diz assim:

bis / Pisa! Pisa! Pisa! Ó mulato!
\ Pisa na barra da saia! Ó mulato!


Depois continua a cantiga:

Ô mulata bonita!
Onde é que você mora?
Moro na Praia Formosa,
Logo mais vou-me embora.


Segue-se o estribilho e por fim esta última quadra:

Minha mulata bonita!
Como é que se namora?
Bota o lencinho no bôlso,
E a pontinha de fora.


É inútil lembrar que muitas outras canções de roda ouvi nesse domingo da Ressurreição; e vendo aquelas crianças cantar tais coisas, com sua voz fanhosa e indecisa, recordei-me que tinha cantado na minha infância canções semelhantes, com outros meninos e meninas…

Onde estão eles? Onde estão elas?

Não sei… Pesei a minha vida passada, olhei o céu que não me pareceu vazio, ao tempo que a voz fraca de um menino entoava:

Todos me chamam de feio,
De nariz de pimentão,
Quanto mais se vocês vissem
O nariz de meu irmão.


E a cantoria continuava sem eco algum na “quebrada” próxima

Lima Barreto, Hoje, 21-4-1919

sexta-feira, abril 14

Isso é que é boa Páscoa!

Vacaciones!!!! Tiempo para leer. Una montaña de libros nos espera (ilustración de Joan Turu)
 Joan Turu

Madrugada

Acordou assustada e medrosa no silêncio da casa adormecida. Era como se fosse a única habitante de um mundo de quietude e solidão.Um mundo trêmulo de felicidade que um gesto desajeitado poderia quebrar e destruir. Escorregou de manso sob as cobertas, com medo que ele acordasse, a respiração ritmada de seu sono tranquilo, a mão largada junto ao rosto, nesse jeito meio perdido de criança de todo homem adormecido. Ficou sentada um pouco na beirada da cama, amaciando com a ponta do pé descalço a lã do tapete. E viu-se de repente no espelho, na madrugada que principiava a entrar de manso pelas frestas das venezianas, o rosto meio escondido pelo cabelo, uma vaga silhueta de mulher, um jeito meio ansioso, a ingênua camisola branca, refletida no espelho.

toanunnery:
“ Girl Reading
Tony Robert-Fleury
”
Tony Robert-Fleury 
Tinha nascido com ela aquela sensação pungente da infinita precariedade de tudo, que a acompanhara, sem largar, por toda a vida. Fora assim que surpreendera a beleza no seu rosto, no céu, nas águas, no mundo. Fora com essas mãos surpreendidas e desesperadas de não poderem reter coisa nenhuma, que segurara um filho no colo, um rosto bem amado, um momento de prazer. E todos esses sentimentos se atropelavam, agora – suspensos em que noção de tempo? – nesta madrugada estrangeira, que ia virando dia, numa cidade com que sonhara uma vida inteira, ao lado de um homem que não era mais seu. O dia ia nascendo e com ele o anúncio de todas as partidas. E do fundo do seu sono ordenara a si mesma que acordasse, que ficasse a espiar, a tentar reter – como? – aquele momento, no escuro do quarto em que ele dormia, livre de cuidados, a sua última noite juntos.

Nunca sentira o mundo ou este homem mais seus do que nesse instante em que ambos ainda não tinham acordado e em que lhe pertenciam, tão brevemente, por inteiro. Levantou-se de manso – e seu vulto no espelho, amaciando os passos e a respiração, abriu sem ruído uma fresta da veneziana – sentiu no rosto o ar fresco que vinha lá de fora, guardou pedra por pedra na memória a ruazinha estreita, descendo para o porto, a névoa que começava a debruar o horizonte. Vinha do fim da ladeira um trabalhador encapotado, uma janela abriu-se barulhenta com um riso de mulher.

Teve medo desse dia que ia nascendo, fechou a janela depressa para que ele não entrasse no quarto. Voltou-se para a cama em que o homem dormia, ressonando de leve, escondendo o rosto no travesseiro para aprofundar mais no seu sono. Começou a falar baixinho, quase sem palavras, com ele – dizem que se pode falar assim com o espírito, que vagueia, dos que estão adormecidos. – Disse-lhe do seu amor, de sua angústia, de sua pena. De toda a solidão com que ia ficar. Estava alegre – sabe? – muito obrigada, sabe? – a ele, à vida, ao que fosse, meu Deus. Nunca mais dormiria o seu sono junto dela. Mas que dormisse bem. E acordasse em paz, em alegria. Essa hora ficaria com ela, só sua, de mais ninguém. E até nunca mais.
Elsie Lessa

quinta-feira, abril 13

Estantes jurássicas

O vampiro comensal e outras esquisitices

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Depois do banquete o vampiro eructou vampirescamente e limpou a boca com o papiro.

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Na ironia você diz outra coisa para dizer o que queria.

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Ele se declarou inocente, mas, ao puxar o lenço para enxugar o suor, escaparam do seu bolso catorze pássaros que, embora de porcelana, se puseram a esvoaçar pela sala do tribunal tão inequivocamente que ele nem tentou continuar negando: era um sonetista.

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Há os poetas e há os poetas de carteirinha. Os primeiros fazem poesia; os outros fazem reuniões e manifestos.

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Desculpem-me se venho falando demais em morte. Cada época tem seus frutos.

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O pior para um escritor não é sentir-se de repente vazio. É perceber que sempre esteve assim.

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Sinto cada vez mais próximos os passos da Morte. Sou velho, mas não sou surdo.

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Tenho sempre alguma tristeza em meu acervo, para consumo próprio.

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O mais comum e intransferível de todos os amores é o amor-próprio.

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Talvez tenhamos sido melhores, um dia. Não é o que diz quem nos conheceu.

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As reticências mudaram de ideia no meio da frase e ficaram num ponto, o final.

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Sou filho de poloneses pobres, mas não me custaria muito reconhecer que sempre escrevi mais por orgulho que por necessidade.

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Espero sempre que reconheçam em mim virtudes que nem eu mesmo sei quais possam ser. Talvez a ingenuidade seja uma delas, talvez seja a única.

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Entre um soneto e outro soneto, disfarçada entre os tercetos, clandestina entre os quartetos, a vida passa despercebida aos olhos do poeta.

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Todo provérbio deveria ser convocado a pôr a mão sobre a Bíblia e jurar dizer a verdade, somente a verdade, toda a verdade.

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Como é antipático um provérbio quando, depois de contrariado, nos olha com aquela cara de sábio e nos diz: eu não avisei?

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Há escritores tão presunçosos que, se o próprio Deus lhes oferecesse ajuda, aceitariam uma fatia de pão, talvez, mas jamais um parágrafo ou sequer uma frase.

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Uma crase só não é mais presunçosa que um poeta porque não faz sonetos nem pode, por disposições estatutárias, disputar uma vaga na Academia Brasileira de Letras.

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As rimas até hoje não resolveram as divergências que têm desde o tempo no qual eram consideradas indispensáveis à poesia. As ricas abominam as pobres, e vice-versa.

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Enquanto houver um gato, estará justificada a existência de pelo menos um sofá.

Raul Drewnick

O melhor transporte da imaginação

Para viajar lejos no hay mejor nave que un libro (ilustrador desconocido)

"Para viajar longe não há
melhor do que um livro"

Mapa literário de Londres

Londres é uma cidade que aparece em muitíssimos livros e histórias. Muitos romances, thrillers e dramas já passaram por suas ruas. Por isso Dex, um artista londrino, resolveu fazer um intrincado mapa da capital com o nome de personagens do passado e do presente.


“Temos aqui os famosos e os infames. E também os menos conhecidos. Cada personagem foi colocado nos recantos da cidade onde mais gosta de passar ou onde chama de casa”, explica Dex.

Entre outros personagens, estão Sherlock Holmes, Bridget Jones, 007, Harry Potter, Peter Pan, Dorian Gray, Ebenezer Scrooge e muitos mais. É interessante passar um tempo tentando reconhecer os nomes no mapa.

O mapa literário de Londres foi feito pela primeira vez em 2012, mas uma nova edição foi lançada esse mês.
BurnBook

quarta-feira, abril 12

Bom dia,Senhor!

Quint Buchholz

Assim começa o livro...

Aqui se aprende muito pouco, faltam professores, e nós, rapazes do Instituto Benjamenta, vamos dar em nada, ou seja, seremos, todos, coisa muito pequena e secundária em nossa vida futura. As aulas a que assistimos visam sobretudo a inculcar-nos paciência e obediência, duas qualidades que ensejam pouco ou mesmo nenhum sucesso. Sucessos interiores, sim. Mas o que se ganha com eles? Conquistas interiores porven tura nos dão de comer? Eu gostaria muito de ser rico, andar por aí em caleches e gastar um bocado de dinheiro. Conversei sobre isso com Kraus, meu colega de instituto, mas ele só fez encolher os ombros com desdém, não se dignando dirigir-me sequer uma única palavra. Kraus é possuidor de princípios; firme na sela, cavalga a satisfação, montaria inadequada a quem deseja galopar. Tão logo cheguei aqui, ao Instituto Benjamenta, consegui transformar-me num enigma para mim mesmo. Também a mim contagiou certa satisfação, bastante curiosa e, no meu caso, inédita. Obedeço razoavelmente bem, não tão bem como Kraus, que é mestre em precipitar-se de cabeça ao 8 encontro das ordens, pronto a servir. Num ponto, nós todos — Kraus, Schacht, Schilinski, Fuchs, o grandão do Peter, eu etc., alunos do Instituto Benjamenta — nos igualamos, a saber: em nossa total pobreza e dependência. Somos pequenos, peque‑ nos até a insignificância. Quem quer que possua uma nota de um marco é já considerado um príncipe favorecido. Quem fuma cigarros, como eu, desperta preocupação em virtude do dinheiro que esbanja. Vestimos uniformes. Usar uniforme é algo que, a um só tempo, nos humilha e enobrece. Parecemos pessoas privadas de liberdade, o que talvez constitua humilhação, mas ficamos bem de uniforme, e isso nos distancia da vergonha profunda dos que andam por aí em trajes mais que próprios e no entanto sujos e esfarrapados. Para mim, por exemplo, vestir uniforme é muito agradável, porque nunca soube ao certo que roupa usar. Também nisso, porém, sou, por enquanto, um enigma para mim mesmo. Talvez abrigue um ser humano bastante vulgar. Ou talvez corra sangue aristocrático em minhas veias. Não sei. De uma coisa tenho certeza: no futuro, o que vou ser é um zero à esquerda, muito redondo e encantador. Na velhice, terei de servir a jovens grosseirões, arrogantes e mal-educados; do contrário, vou precisar mendigar para não perecer.