Em fins dos anos 1980, passou pelo Recife. A convite do Partido Comunista, deu recital na lendária Livro 7 de Tarcísio Pereira. Apresentado pelo famigerado Jommard Muniz de Brito. Numa noite, levado por Naíde Teodosio, foi parar em Olinda. Na casa do pintor José Cláudio – que pensava encontrar um homem baixinho, branquelo e de barriga proeminente. Só que bateu na sua porta um sujeito enorme, com corpo de atleta, vestindo bermuda e camiseta brancas.
Conversaram em espanhol. Lembrança dos tempos em que viveu na Ilha, em 1964, redigindo o roteiro de um filme de propaganda, Soy Cuba. Era próximo de compañeros como Allende, Neruda e Che Guevara.
No fim da visita, perguntou se poderia escrever algo na parede. Nada a estranhar, tratando-se de um poeta. Quando redigi uma biografia de Fernando Pessoa, estive na Biblarte – Miradouro de São Pedro de Alcântara, Lisboa. E lá, bem no fim da loja, o alfarrabista Ernesto Martins mostrou um pequeno quarto. Onde Pessoa dormia todo fim de tarde. Para curar dos quilos de álcool consumidos. E se preparar para noitadas com os amigos. Só depois da morte de Pessoa (em 1935), Martins (que nunca lá ia) percebeu que as paredes estavam todas rabiscadas. Com versos imortais. Perdidos, para sempre, depois de uma reforma. Ninguém se preocupou em preservar o local. Talvez porque, naquele tempo, ainda Pessoa não fosse Pessoa.
Lembro, a propósito, conto de Julio Cortázar (“Grafito”) que fala na história de homem e mulher que se apaixonam, durante a ditadura, e se comunicam por frases escritas nos muros de Buenos Aires. Até que, um dia, ele escreveu “también me duele a mi” (também me dói). E nunca mais se soube dos dois. Como disse Victor Hugo, “palavras são passagens para os mistérios da alma”.
Voltando a Olinda, Leo foi logo buscar um carvão. Desses que pintores usam para fazer rascunhos nas telas. Yevtushenko pegou nele e escreveu, na parede bem branca da sala de jantar, “La felicidad es el sufrimiento que se ha cansado” (A felicidade é o sofrimento que se cansou). E assinou, por baixo. Despediram-se. Zé Cláudio pensou em pintar uma moldura, em volta, como se aquela frase fosse um quadro. Para mostrar aos visitantes. Mas era tarde, estava cansado e foi dormir.
Dando-se que no dia seguinte, bem cedinho, Mané Pé-de-Pano entrou em ação. Contrariado por terem sujado, com palavras estranhas, aquela parede que com tanto zelo havia pintado na véspera. E passou tinta branca por cima. Deixando nela, sem razões para explicar isso, apenas a assinatura do poeta (que ainda hoje lá está) – começando por algo que se parece com a letra E. Mais o resto do nome, em cirílico.
Agora se foi Yevtushenko. Em palavras de Pessoa “Quem, morrendo, deixa escrito um verso belo deixou mais ricos os céus e a terra e mais emotivante misteriosa a razão de haver estrelas e gente”. É pena. Quando perdemos um poeta, o mundo fica menor. Uma estrela se apaga, no céu. E todos nós ficamos um pouco mais tristes.
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