Tenho ideia de que, quando o trabalho se repete demasiado dia após dia, mesmo que se goste do que se faz, isso acaba por levar a que se perca o encanto inicial e, em última análise, o prazer de trabalhar. Foi isso mesmo que entrevi nos relatos de dois jovens livreiros que, adorando ler, mas trabalhando num lugar com demasiadas regras e uma rotina imutável, começaram a desencantar-se com a profissão. Resolveram então, para o seu próprio bem, sair de cena e montar juntos um negócio parecido com aquilo com que sempre tinham sonhado; e, mesmo que ser proprietário lhes possa trazer outros problemas, a verdade é que parecem felizes na fotografia na qual o jornal i os mostrava um dia destes ao falar da sua livraria, chamada Flâneur, na cidade do Porto. Atrás deles, as prateleiras algo desarrumadas pareciam-se com as estantes lá de casa, mas a ideia, segundo percebi, é tornar o espaço o menos rígido possível, ter e aconselhar livros de que os donos gostem, cultivar uma certa intimidade com os leitores, desenhando aos poucos o perfil destes, procurando os livros que podem agradar-lhes e até – curioso! – levá-los, se preciso for, de bicicleta a sua casa. Às vezes, em nome da sanidade mental, é preciso dar um passo arriscado e virar a vida do avesso (conheço várias pessoas que o fizeram nos últimos tempos); e, ainda que o lucro em termos de dinheiro possa ser poucochinho numa livraria deste tipo, há de certeza absoluta um lucro para o prazer de viver e trabalhar que faz toda a diferença.
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