Para Alberto Dines, o homem que amava o jornalismo
Talvez eu seja implicante. Ou neurastênico. Ou chato mesmo. Se tem coisa que me irrita é ventinho na janela de ônibus intermunicipal. Vai ver peguei esta “infecção” na Alemanha, onde todos ficam paralisados frente a uma corrente de ar. Há até uma expressão, Es Ziegt. Provoca revoltas, brigas, confusão. Mas o que – e gostaria de ir a um terapeuta para saber direito isso – me deixa ziquizira é no avião ver passageiro que chega e senta em qualquer lugar, até que chega o dono, a pessoa ainda discute, fica um entrevero, a comissária vem resolver. Certa vez, o sujeito estava em meu lugar e não queria sair de jeito nenhum, implorou para que eu sentasse na poltrona dele, lá atrás. Mas, a vida é assim, o que acontecia com os outros, aconteceu comigo.
Brecht Evens |
Duas semanas atrás, voltando da Feira Pan-Amazônica do Livros, embarquei em Marabá, Pará. Tinha sido um evento superbem-sucedido, auditórios cheios, estandes de livros organizados, boas editoras, o povo compareceu para valer. Meu voo obrigou-me a duas conexões. Peguei um avião em Marabá, outro em Belém, outro em Belo Horizonte. Conexões rápidas, aceleradas, desce, procura portão de embarque, corre, entra, senta. Primeiro trecho, minha poltrona era 6 C. Sou fanático por corredor. Segundo, poltrona 6 C. Assim, entrei na terceira aeronave (como dizem comandantes e comissárias) e fui direto ao 6 C. Entrou gente, tudo bem. Até que todos estavam acomodados chegou o dono da 6 C, conferiu o bilhete, conferi o meu, a jovem foi chamada, o dono verdadeiro estava ficando nervosinho, irritado. Andamos todos com pavio curto. Enfim, a jovem me disse: Olha aqui, o senhor olhou errado, o seu lugar é o 13 C. O dono verdadeiro resmungou: “Viu? viu? Por que não olha direito? Respeite o que é certo!”.
Ah, para quê? Fiz a cara de coitadinho, pedi desculpas e ele, à comissária, pedi perdão, dizendo: “Nunca viajei num bitelo desses”. Bitelo no interior quer dizer coisa grande, bonita, espantosa. “Estou com 88 anos e meu neto me deu a passagem, sou aposentado, era caixeiro-viajante, vendia remédios. Então eu vim. Perdoem, pensei que era como o ônibus circular de minha vila, entra e senta. Me desculpem.”
Gente me olhava com curiosidade e observava o dono real da poltrona com ares severos. Eu podia ler: “Pobre velho, imaginem a emoção, e esse cara estragando”. Voltei-me, desolado: “Então, o que faço? Vou ter de viajar em pé, como nos ônibus? Acho melhor descer, vir outro dia”. E a comissária: “Não, não, o senhor tem lugar, vou levá-lo”. O dono verdadeiro sugeriu: “O senhor pode ficar aí, vou no seu lugar, tomara goste da viagem”. E eu: “Não, de modo algum, nem pensar, o que é seu, é seu. Se sou burro e não sei das coisas, obedeço o que é certo Minha finada Margarida já estaria envergonhadíssima. Perdão, perdão”.
Fui levado à minha poltrona, a jovem que me acomodou, disse: “Aperte o cinto”. Mostrei meu cinto, o das calças, e respondi: “Está bem apertado.” Então ela puxou o cinto do assento, me ensinou, sorriu, me mostrou um botãozinho no teto, dizendo: “Se precisar de mim, aperte aqui, e eu venho”. Foi lá na frente me trouxe um suco de pêssego. O avião decolou. De vez em quando ela passava: “Tudo bem? Está gostando?”. E eu, sozinho, porque o passageiro da janela não tinha vindo, murmurei: “Tudo bem, só não consigo abrir a janela, estou meio abafado”. Ela ajustou o ar acima de mim. Agradeci: “Deus te abençoe moça, deus te pague”.
Na saída, ela me mandou esperar, esperei, não sou daqueles que saem correndo quando o avião pousa, batendo com as mochilas nas cabeças e ombros, afobados não sei para quê. Fui até a saída, ele me disse: “Siga esse corredor, vai chegar a um grande salão. Olhe para o chão. Ao ver uns pezinhos amarelos, siga, é o caminho para a saída. Ou peça ajuda ao nosso pessoal de terra. Não esqueça, não vá se perder, siga os pezinhos”. E eu: “Obrigado, que bonito, os pezinhos amarelos. Vou querer andar de avião outra vez, minha Margarida ia gostar, até ganhei um lanchinho, muito obrigado”. Porque tinham me dado um sanduíche e um refrigerante. Gente boa essa. Saí, encontrei os pezinhos amarelos e segui o rumo deles. O que já fiz tanto quanto um bom comandante, quase não saio do ar. Adorei a viagem. Eta, bitelão bão! Domingo passado mesmo, peguei um avião para ir à Feira de Ribeirão Preto, supertransada e me sentei direitinho no meu lugar. Corredor, sempre.
Ah, para quê? Fiz a cara de coitadinho, pedi desculpas e ele, à comissária, pedi perdão, dizendo: “Nunca viajei num bitelo desses”. Bitelo no interior quer dizer coisa grande, bonita, espantosa. “Estou com 88 anos e meu neto me deu a passagem, sou aposentado, era caixeiro-viajante, vendia remédios. Então eu vim. Perdoem, pensei que era como o ônibus circular de minha vila, entra e senta. Me desculpem.”
Gente me olhava com curiosidade e observava o dono real da poltrona com ares severos. Eu podia ler: “Pobre velho, imaginem a emoção, e esse cara estragando”. Voltei-me, desolado: “Então, o que faço? Vou ter de viajar em pé, como nos ônibus? Acho melhor descer, vir outro dia”. E a comissária: “Não, não, o senhor tem lugar, vou levá-lo”. O dono verdadeiro sugeriu: “O senhor pode ficar aí, vou no seu lugar, tomara goste da viagem”. E eu: “Não, de modo algum, nem pensar, o que é seu, é seu. Se sou burro e não sei das coisas, obedeço o que é certo Minha finada Margarida já estaria envergonhadíssima. Perdão, perdão”.
Fui levado à minha poltrona, a jovem que me acomodou, disse: “Aperte o cinto”. Mostrei meu cinto, o das calças, e respondi: “Está bem apertado.” Então ela puxou o cinto do assento, me ensinou, sorriu, me mostrou um botãozinho no teto, dizendo: “Se precisar de mim, aperte aqui, e eu venho”. Foi lá na frente me trouxe um suco de pêssego. O avião decolou. De vez em quando ela passava: “Tudo bem? Está gostando?”. E eu, sozinho, porque o passageiro da janela não tinha vindo, murmurei: “Tudo bem, só não consigo abrir a janela, estou meio abafado”. Ela ajustou o ar acima de mim. Agradeci: “Deus te abençoe moça, deus te pague”.
Na saída, ela me mandou esperar, esperei, não sou daqueles que saem correndo quando o avião pousa, batendo com as mochilas nas cabeças e ombros, afobados não sei para quê. Fui até a saída, ele me disse: “Siga esse corredor, vai chegar a um grande salão. Olhe para o chão. Ao ver uns pezinhos amarelos, siga, é o caminho para a saída. Ou peça ajuda ao nosso pessoal de terra. Não esqueça, não vá se perder, siga os pezinhos”. E eu: “Obrigado, que bonito, os pezinhos amarelos. Vou querer andar de avião outra vez, minha Margarida ia gostar, até ganhei um lanchinho, muito obrigado”. Porque tinham me dado um sanduíche e um refrigerante. Gente boa essa. Saí, encontrei os pezinhos amarelos e segui o rumo deles. O que já fiz tanto quanto um bom comandante, quase não saio do ar. Adorei a viagem. Eta, bitelão bão! Domingo passado mesmo, peguei um avião para ir à Feira de Ribeirão Preto, supertransada e me sentei direitinho no meu lugar. Corredor, sempre.
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