O técnico não precisa, e nem é aconselhável, entender de futebol: preferível que seja um duro mestre pedreiro, capaz de construir em campo o muro que impeça a bola de passar. Os jogadores, reduzidos à condição de tijolos e reboco, não precisam ter habilidade: preferível que sejam uns manguarões quadrados, limitando com abundância de espaço material as possibilidades de penetração da bola. E assim, após cada jogo, babam-se de vaidade ao microfone os generais dessa batalha sem tiros: o time que eles comandam ganhou de um a zero, ou só perdeu de um a zero, ou o resultado ficou num zero a zero oco, demonstrando que o futebol moderninho atingiu o máximo da perfeição negativa: o marcador em branco, o plano da alimentação popular sem alimento, o jardim sem plantas, o viveiro sem passarinhos, o véu da noiva virginalmente alvo.
Quando o futebol começou, o goleiro ficava em solidão debaixo dos paus e dez eufóricos iam para a frente mandar brasa. O bom senso descobriu os zagueiros, acabando com essa guerra campal; mais tarde, o centromédio, que era um sexto atacante, recuou para ajudar mais a defesa; foram os australianos, dizem, os primeiros a transformar um atacante em defensor; os suíços, de pouca intimidade com objetos redondos, criaram em 1950 o famoso ferrolho, revelando aos boquiabertos dirigentes do mundo esportivo que um time medíocre pode endurecer uma partida desigual e perder de pouco. Aí, a aritmética defensiva começou a pular na cabeça dos matemáticos do futebol: o 4-2-4, o 4-3-3, o 4-4-2, o 5-4-1, o 5-5-0…
Há cerca de dez anos, os húngaros abandonaram a equação defensiva e organizaram um conjunto ofensivamente elástico, que, deixando o campo vencedor de seis a quatro, sete a três, e outros resultados generosos, ensinou de novo ao mundo que o gol é a alegria do povo. Pouco depois o Santos fazia a mesma coisa, e deixou de ser apenas o clube de Vila Belmiro para virar o clube à parte no carinho de todos os brasileiros fiéis ao futebol produtivo mas bonito.
Paulo Mendes Campos, "Diário da tarde"
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