Jean-Pierre Gibrat |
Conheço perfeitamente o que pode esconder essa ansiedade, mas não me aquieto. Vejo com lucidez o símbolo dessa frustração, mas não me vale de nada. Não creio no pressentimento confuso, mas não me acalmo. Ando dum lado para outro, sento-me, levanto-me, vou à janela, acendo um cigarro, bebo sem sede um pouco d’água. Imagino o que devo fazer, o que gostaria de fazer, onde buscar a outra metade do que sou hoje, e não consigo ver coisa nenhuma na tarde espantosamente clara. Resolvo então não fazer nada; mas é impossível não fazer nada.
Decido sair. Mas para onde? Não importa. Saio. Encontro amigos e conhecidos. Sem dizer nada procuro saber se é com eles. Não é. Penso em ir à Floresta da Tijuca, a Petrópolis, a um clube que nunca frequentei, a vários outros lugares que me passam pela cabeça. Não vou: seria insensato. Passo contudo numa galeria de arte, onde se encontra uma linda mulher. Não, não é com ela. Olho com atenção as pessoas, espio para dentro das lojas, aceito com humildade o meu ataque de estupidez. Que que há? Não há nada. Há. Em algum lugar, há uma ação a cumprir. Em algum lugar, devo ser hoje o resto dum acontecimento.
Não será num livro que se encontra o que me chama? Penso em centenas de livros: nada vejo. Não será dentro de mim? Viro e reviro-me: não cai nada de mim. Estou murcho, à espera de que o momento me colha na haste e faça do meu dia um destino.
Paulo Mendes Campos (Manchete, 24/04/1965), "De um caderno cinzento"
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