Esse cronista viveu a época e área em que o livro foi lançado. Viu e ouviu tudo. Pode, portanto, comunicar, que aquela sociedade não estava preparada para o "petit prince". Ao menos, no quilômetro compreendido entre o Vogue e o Copacabana Palace, não estava. Entendam-me. Nem todos eram especialmente incultos ou, de um modo geral, retardados. Apenas, não estavam preparados física e emocionalmente, para aquele livrinho tão fácil de ler e de portar. Tão Fácil (aí a hecatombe) de citar.
O cronista que vos escreve viveu os dias e a terra do evento "Pequeno príncipe". Ouviu as citações, todas as noites, nas bocas de mil mulheres. Mil, não. Umas cento e tantas. Pobres senhoras, estarrecidas, perplexas, pois achavam de comprovar que as raposas falavam. La Fontaine estava coberto de razão. E a raposa de Exupéry dizia coisas lindas.
O cronista que vos escreve sentiu o hálito e viu, nas réstias de luz, a saliva das citações noturnas de Exupéry. Era no Vogue. Sempre a raposa. A raposa, que falava e dizia muito, que era preciso, antes, cativar. Aquelas cento e tantas mulheres desamparadas, a dizer que era preciso cativar. Cento e tantas mulheres sem pai e sem mãe, o verbo infinitivo, degradando minhas intenções, dilacerando meus nervos. Cativar. Cativar. Cativar. Cativar.
– Você precisa me cativar.
Mas decorar os aposentos de seus filhos, com os desenhos de Exupéry. Isto durou, em clamor crescente, até 1955, quando o Vogue pegou fogo. Foram três anos de delírio coletivo, dos quais o cronista foi testemunha... As mulheres dizendo muito:
– Se você chegar às quatro, desde às três e meia, eu me preparo etc.
Todos os males humanos se moderam ou se retiram. Todavia, a angústia, a insegurança e a febre terçã, hoje estampadas em certos rostos antigos e fatigados, tristes e mendigos, são decorrências do lançamento, no Brasil, há cerca de dez anos, de "O pequeno príncipe". Degenerescente, como um estrôncio. Mas, Saint-Exupéry nada tem a ver com isto.
Antônio Maria
Nenhum comentário:
Postar um comentário