“Com o I-Ching você só dialoga, com o tarô, além disso, consegue encontrar um relato em meio a toda a confusão”, diz Jessa Crispin (Lincoln, Kansas, 1978), escritora, viajante e taróloga, diante das cartas sobre a mesa de seu baralho pessoal, especialmente desenhadas para acabar um dia nas mãos de Trent Reznor (Nine Inch Nails). “Aconteceu no meu caso e continua acontecendo. Não é só que oferecem o como, o quê, o quando e o onde, no caso de você ir buscar orientação artística, mas ajudam a dar sentido ao caos. Quando comecei a usá-las, de fato, me contaram uma história nova sobre minha vida”, diz.
Para Leonora Carrington, pintora surrealista, as cartas agiam como espelhos. Mostravam algo que você não tinha sido capaz de ver. Sylvia Plath as usou para compor pelo menos os três primeiros poemas de Ariel, estabelecendo por meio deles o que os iniciados chamam de jogada inacabada, e William Butler Yeats usou várias vezes o imaginário do tarô em sua obra — deem uma olhada em Blood and the moon —, porque sempre foi atraído pelo lado oculto: foi inclusive membro de uma ordem secreta. Pamela Lynson Travers expõe em seu livro Mary Poppins, infinitamente mais obscuro que a versão cinematográfica, boa parte de sua paixão pelo inexplicável. O tarô para Travers, porém, nunca foi algo criativo: consultava tarólogas toda vez que tinha que tomar uma decisão importante — adotou seu filho porque assim lhe disseram as cartas. Para não falar de Shirley Jackson e Jorge Luis Borges. A lista de escritores —e não só escritores, Brian Eno desenhou seu próprio baralho — que flertaram com o tarô é infinita. Por quê?
“Talvez seja a necessidade de narrativa, ou que todos estão abertos ao intuitivo”, responde Crispin. Pois diante da tomada de qualquer decisão, pode-se dizer que o artista utiliza a sorte não só para ganhar confiança ou segurança —“é como se dissesse: Estou fazendo o que é certo”, declara a escritora — mas também para encontrar um sentido. “A ideia não é usar as cartas para predizer o futuro, mas para deslocar a atenção de certa parte de nossa vida para tentar compreender o que acontece conosco e por quê”, explica. Vejamos um exemplo: a própria Crispin.
Ela está prestes a publicar um ensaio, El tarot creativo (Alpha Decay), transformado em espetáculo em La Casa Encendida, que aborda o assunto e que é ao mesmo tempo uma confissão de até que ponto sua vida está sujeita, diariamente, ao que dizem as cartas. Crispin é impulsiva. Há alguns meses conheceu um cara em Chicago. Ia só passar dois dias na cidade e não queria sair com ninguém, mas as cartas disseram que saísse. Duas semanas depois, tinham se casado. Mostra a mão, aponta o anel. E tudo porque toda vez que saía com ele a carta que o baralho lhe mostrava era O Louco. E isso queria dizer que podia perder a cabeça, que tudo daria certo se perdesse a cabeça. Então perdeu.
Crispin, autora do também brilhante Why I am not a feminist (sem tradução para o português), começou a brincar com o tarô ainda adolescente, mas só depois de completar 28 anos é que começou a dominá-lo. Foi quando o transformou em algo como seu melhor amigo, alguém com quem dialoga — ela pergunta, as cartas, como as moedas, respondem, e não com um sim ou com um não mas com uma imagem que em cada caso pode significar algo diferente— e cujo diálogo lhe dá sentido ao que acontece e ao que faz.
“Todo dia tiro uma carta que explica em parte o que vai me acontecer”, diz. Mas não condiciona o fato de saber que pode ser um fiasco — vamos imaginar que a carta seja O Diabo — a que acabe sendo? “Sim, claro, mas acredito que é isso mesmo”. O Carro, por exemplo, diz, é a carta mais “cabal” de todas. “Se um dia sai O carro, quer dizer que vou estar focada”. Você sempre leva em consideração? Ri. “Não é fácil”, diz. Digamos que leva em consideração quando o que dizem se encaixa em seu próprio relato em andamento. “O importante é sempre seguir seu instinto”, conclui, não sem antes recordar que continua não sendo a única escritora hoje em dia que se orienta pelo tarô, pois “quase todos os meus clientes são artistas”.
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