segunda-feira, julho 15

As cidade que desistiram da Copa para investir em bibliotecas

Quando a FIFA anunciou que o Brasil abrigaria a Copa do Mundo de 2014, iniciou-se uma corrida entre municípios e estados para apresentar candidaturas à sede do maior torneio de futebol do planeta. Sem grande tradição no esporte, Maceió e São Luís chegaram a cogitar a hipótese, mas, diante do exorbitante custo para cumprir requisitos de reforma e construção dos estádios, acabaram desistindo de sediar o evento. Agora, cinco anos depois da Copa, enquanto algumas cidades ainda não entregaram obras de mobilidade urbana prometidas ou congelam recursos na educação após investimentos milionários em arenas, as capitais de Alagoas e Maranhão driblam a crise econômica abrindo novas bibliotecas.

Em 2008, o então governador do Maranhão, Jackson Lago (PDT), avaliou a ideia de São Luís sediar a Copa. Porém, se assustou com as exigências do “padrão-FIFA”, que elevariam os gastos na reforma do estádio Castelão para uma cifra na casa das centenas de milhões de reais. A capital maranhense nem sequer pleiteou vaga entre as cidades-sede. Já no governo de Roseana Sarney (MDB) [2009-2014], as obras de restauração do Castelão foram concluídas a um custo de 28 milhões de reais. Apesar do lobby favorável de Fernando Sarney, dirigente da CBF e irmão da governadora, a cidade entendeu que não seria viável se habilitar para receber o Mundial.


Farol do Saber (aranhão)
Representado por Sampaio Corrêa e Imperatriz na terceira divisão do Campeonato Brasileiro, o Maranhão é o estado que possui o menor percentual de escolas equipadas com bibliotecas (15%), segundo o Censo Escolar do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (INEP), mas, ao mesmo tempo, o que mais construiu bibliotecas escolares nos últimos dois anos. Ao vencer a eleição em 2014, o governador Flávio Dino (PCdoB) prometeu dar prioridade a investimentos em educação. No primeiro ano de gestão, lançou o programa Escola Digna, que prevê a construção e reforma de instituições de ensino incluindo pelo menos uma biblioteca. “Temos compromisso com a democratização do acesso à leitura e ao conhecimento. Só assim podemos contribuir de forma efetiva para a formação de cidadãos mais conscientes”, afirma Dino.

Além do programa, o governo revigorou em 2016 a rede estadual de bibliotecas Faróis do Saber. O projeto é antigo no Maranhão, mas muitos espaços estavam desativados antes da publicação de um decreto que estabelece parcerias entre Estado e municípios para administração compartilhada dos equipamentos culturais. Do fim de 2017 até agora, foram inauguradas ou reabertas 45 bibliotecas públicas, cinco delas em São Luís. Outras três devem começar a funcionar até o fim do ano na capital maranhense, um caso raro entre as grandes cidades brasileiras. Com 63% de suas escolas equipadas com bibliotecas, é a que apresenta maior diferença relativa ao índice de seu estado comparada a outras capitais.

De acordo com a secretaria estadual de Educação, o contraste tende a diminuir já no próximo Censo Escolar devido aos investimentos em bibliotecas pelas cidades do interior. Mas a tradição de estímulo à leitura em São Luís vem de longa data. Fundada em 1829, a Biblioteca Pública Benedito Leite é a segunda mais antiga do Brasil. Ficou fechada entre 2009 e 2013 por risco de desabamento. Nesse período, foram aplicados 7 milhões de reais na reforma de seu prédio colonial neoclássico, além da renovação do acervo que hoje tem aproximadamente 140.000 obras.

A cidade espera completar a primeira dezena de bibliotecas públicas ativas até o início de 2020, contando com um Farol do Saber que será inaugurado dentro da penitenciária de Pedrinhas. “Enquanto muitos estados estão fechando bibliotecas, nós estamos abrindo”, diz Aline Nascimento, coordenadora do Sistema Estadual de Bibliotecas Públicas do Maranhão. “Nossa missão é investir em pessoas. Isso passa, essencialmente, por incentivar a leitura.” Além do programa estadual, a prefeitura de São Luís tem investido em bibliotecas móveis, padronizado o acervo de novas escolas municipais com 3.000 livros (metade deles digitais), ofertado cursos de literatura infantil para professores e fomentado obras de escritores locais em parceria com a Academia Maranhense de Letras.

Biblioteca Pública Estadual Graciliano Ramos, em Maceió
Maceió levou a sério a possibilidade de receber jogos da Copa 2014. Apresentou projeto de construção de uma arena para 45.000 torcedores, que custaria pelo menos 260 milhões de reais. Sob o comando de Teotônio Vilela Filho (PSDB), o governo estadual alegou não ter condições de arcar com os custos e pulou fora da disputa. A capital alagoana acabou se contentando em ser uma das subsedes do torneio, como base de treinamentos para a seleção de Gana. Sua única obrigação foi reformar, por 17 milhões de reais, o estádio Rei Pelé, que hoje serve de casa para o CSA na primeira divisão nacional.

Em outro sentido, ainda na gestão de Vilela Filho, o estado de Alagoas iniciou um movimento para tentar virar o jogo na área da leitura. O marco desse esforço foi a reforma da Biblioteca Pública Estadual Graciliano Ramos, concluída em novembro de 2014. Custou quase 3,5 milhões de reais, o suficiente para oferecer estrutura de acessibilidade, digitalização de parte do acervo de 70.000 publicações e serviços básicos que, ao longo dos mais de 150 anos do espaço, jamais haviam sido disponibilizados, como empréstimo e reserva online de livros. A biblioteca também recebe eventos comunitários, aulas de xadrez, excursões de alunos da rede pública e idosos, pessoas desempregadas para elaboração de currículos e escritores alagoanos, que contam com apoio para publicar suas obras.

“Tivemos muitos avanços nos últimos anos”, conta Mira Dantas, diretora da biblioteca. “Gestores públicos estão se conscientizando da importância de promover a leitura. Uma biblioteca tão viva e aberta num estado pequeno como Alagoas é um verdadeiro privilégio.” Apesar das dificuldades orçamentárias para conservar o acervo, o governo nunca cogitou restringir atividades no local. O espaço que homenageia o escritor Graciliano Ramos, nascido no interior alagoano, tem uma média de 1.000 visitantes por mês. A ideia é multiplicar esse número com mais eventos e divulgação do serviço de reserva de livros pela internet, que só foi implementado no início deste ano. “A maioria das pessoas ainda lê por obrigação, não por prazer. Aos poucos, vamos conseguir mudar essa cultura.”

Em Maceió, o percentual de escolas com bibliotecas (55%) é quase o dobro do estado (28%). Chefe do executivo municipal, Rui Palmeira (PSDB) definiu a massificação de bibliotecas nas escolas como meta de campanha em 2012. No primeiro mandato, o prefeito destinou 600.000 reais à compra de mobiliário e acervo para 54 escolas, totalizando 30.000 novos livros. Também apostou nas caixas literárias, um formato enxuto, com 300 obras, para escolas menores ou infantis. “Uma escola sem biblioteca é como um corpo sem cérebro”, compara Ana Dayse Dorea, secretária municipal de Educação. “Nosso investimento em estrutura visa despertar as crianças cada vez mais cedo para a leitura.”

Com 25% do orçamento da cidade direcionado à pasta, a gestão de Palmeira, já em seu segundo mandato, elencou como prioridade a expansão da rede de bibliotecas. Outras ações casam práticas de leitura dentro e fora da escola. A principal delas é o Vale Livro, distribuído pela prefeitura durante a Bienal de Alagoas. Mais de 6.000 alunos de escolas públicas são contemplados com o benefício. Cada estudante recebe um crédito de 15 reais para comprar livros em uma das maiores feiras literárias do Nordeste. Este ano, por iniciativa da secretaria de Desenvolvimento Sustentável, o poder municipal lançou a Geladeiroteca. O projeto recolhe nas ruas geladeiras descartadas de maneira irregular, trata os equipamentos com pintura especial e os exibe em áreas públicas com livros doados pela população.

Tanto Maceió quanto São Luís apresentam curva ascendente de investimento em bibliotecas, ao contrário de cidades com maior receita localizadas em estados mais desenvolvidos. Capital com o maior número de bibliotecas públicas, São Paulo tem percentual menor (19%) que o de seu estado (20%) no que se refere à quantidade de espaços de leitura dentro das escolas. A metrópole paulistana sediou a Copa em 2014 erguendo a Arena Corinthians, que obteve empréstimo de 400 milhões de reais da Caixa Econômica Federal, via financiamento do BNDES, e outros 420 milhões em Certificados de Incentivo ao Desenvolvimento (CIDs).

Em Natal, a maior biblioteca pública da cidade está fechada há quase uma década. No ano passado, o governo estadual, que não investe na renovação do acervo desde 1994, entregou a reforma do prédio sem acesso ao público. Por causa da dívida gerada pela Copa, o Executivo potiguar já desembolsou mais de 600 milhões de reais ao consórcio OAS, que construiu a Arena das Dunas. O dinheiro seria suficiente para instalar e equipar 120 bibliotecas públicas de médio porte. Deficitário, o estádio recebeu apenas 25 jogos em 2018.

Assim como São Paulo, Porto Alegre é outra capital com menos bibliotecas nas escolas (54%) que seu estado (61%). Porém, nem a capital gaúcha nem o governo do Rio Grande do Sul empregou recursos na reforma do Beira-Rio para o Mundial, que custou 300 milhões de reais. Curitiba, por sua vez, é a capital brasileira com o melhor índice de bibliotecas per capita – 4,34 para cada 100.000 habitantes –, embora os quatro jogos da Copa na cidade tenham resultado em litígio entre governo do estado, prefeitura e Athlético Paranaense sobre a divisão da conta de quase 400 milhões de reais pelas obras na Arena da Baixada.

Para Maceió e São Luís, o caminho para reparar décadas de descaso com a leitura ainda é longo, sobretudo pelo contexto de seus estados, ainda distantes da meta estipulada por lei, que determina que toda escola no país tenha biblioteca até 2020, e abaixo da média nacional de bibliotecas escolares (37%). “Estamos atrasados por uma questão histórica, mas fico feliz de perceber que essa realidade está mudando”, diz Mira Dantas. O otimismo é endossado por Aline Nascimento, que hoje, passado o furor dos megaeventos esportivos no país, julga como acertada a decisão do Maranhão ao ignorá-los em prol de um legado cultural. “O papel do esporte é importante na sociedade, mas não deve ser tratado como prioridade. Escolhemos priorizar livros, bibliotecas e a educação como um todo. E tenho certeza que vamos colher os frutos.”

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