Minha filha acha natural que os bichos morram e tudo o que tem coração vire estrela. Drama nenhum que uma aranha devore um mosquito e o gato devore a aranha e um dia esse gato também desapareça. Yolanda brinca de me fazer morrer, depois me ressuscita. Quer repetir minha morte várias vezes, então basta que ela me chame, eu me levanto. Desconforto nenhum com fantasmas, que eles também dão boa brincadeira. Há um restaurante japonês aqui perto que vive cheio deles. Há ainda os fantasmas nossos conhecidos, de gente que minha filha não chegou a ver em carne e osso, mas conhece de ouvir suas histórias, como se o fantástico fosse que algum dia eles também tivessem dançado, se divertido e chorado como a gente. Tem o bisavô, que flutua sobre um ateliê e às vezes vem num sabiá-laranjeira. Tem a vovó Sarah, que um pouco mora no parque do Ibirapuera. O vovô Ramon na voz e no nome do pai. A bisavó protetora da nossa casa, que vem em borboletas. Tem também os gatos fantasmas, em suas aventuras com abelhas, sol no muro e foto no poste com legenda de desaparecido. Mas afinal até os desaparecidos dão um jeito de voltar e se infiltrar nos nossos dias, esses que enchem lugares aparentemente vazios, esses que fizeram suas histórias no tempo em que minha filha ainda não existia. Agora, isso de não existir é coisa que Yolanda não aceita. Isso sim a incomoda, é como uma ofensa. Ela sente como se a desafiassem a uma resposta, e ela responde prontamente, ela se vinga: nos conta histórias, em muitos episódios e com capricho de detalhes, de sua vida na lua, num tempo em que éramos nós que ainda não existíamos.
Mariana Ianelli
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