O ruído ensurdecedor de uma cachoeira capaz de afugentar os pássaros e a crepitação do incêndio de um bosque, que aterroriza as feras mais temerárias, não teriam dilatado tanto seus olhos; o pressentido murmúrio do mundo do qual se lembrava, povoado de animais pré-históricos, de templos que pareciam árvores ressecadas, de guerras cujos objetivos eram alcançados pelos guerreiros quando os objetivos já eram outros, deixavam-na mais dona de si e mais sagaz. Um dia parou, como de costume, na hora em que o sol cai vertiginosamente sobre as árvores, sem lhes permitir fazer sombra, e ouviu latidos, não de um cachorro, e sim de muitos, que corriam enlouquecidos pela campina.
Com um salto seco, a lebre cruzou o caminho e começou a correr; os cachorros correram atrás dela confusamente.
— Para onde vamos? — gritava a lebre com a voz trêmula, apressada.
— Até o fim da sua vida — berravam os cães com vozes de cães.
Os cachorros não eram maus, mas tinham jurado alcançar a lebre com a única intenção de matá-la. A lebre adentrou um bosque, onde as folhas estalavam estrepitosamente; cruzou um prado em que o pasto ondulava com suavidade; cruzou um jardim, onde havia quatro estátuas das estações do ano, e um pátio coberto de flores, onde algumas pessoas ao redor de uma mesa tomavam café. As senhoras pousaram as xícaras para ver a carreira desenfreada que, em suas passagens, derrubava a toalha, as laranjas, os cachos de uva, as ameixas, as garrafas de vinho. Na primeira posição estava a lebre, ligeira como uma flecha; na segunda, o cão pila; na terceira, o dinamarquês preto; na quarta, o tigrado grande; na quinta, o pastor; na última, o galgo. Por cinco vezes, a matilha, correndo atrás da lebre, cruzou o pátio e pisou as flores. Na segunda volta, a lebre ocupava a segunda posição e o galgo, sempre em último. Na terceira volta, a lebre ocupava a terceira posição. A carreira seguiu através do pátio; cruzou-o outras duas vezes, até que a lebre ocupou a última colocação. Os
cães corriam com a língua de fora e os olhos entreabertos. Nesse momento começaram a desenhar círculos, maiores ou menores à medida que aceleravam ou diminuíam a marcha. O dinamarquês preto teve tempo de afanar um alfajor ou algo parecido, que manteve na boca até o fim da corrida.
A lebre berrava:
— Não corram tanto, não corram assim. Estamos passeando.
Mas nenhum deles a escutava, porque sua voz era como a voz do vento.
Os cachorros correram tanto que, afinal, caíram desfalecidos, a ponto de morrer, com a língua de fora feito um trapo comprido e vermelho. A lebre, com sua doçura cintilante, aproximou-se deles levando no focinho trevos úmidos, que pôs sobre a testa de cada um dos cães. Eles voltaram a si.
— Quem colocou água fria em nossa testa? — perguntou o maior deles. — E por que não nos deu de beber?
— Quem nos acariciou com os bigodes? — disse o menor.
— Achei que eram moscas.
— Quem nos lambeu a orelha? — interrogou o mais magro, tremendo.
— Quem salvou nossa vida? — bradou a lebre, olhando para todos os lados.
— Tem algo estranho aqui — disse o cão tigrado, mordendo com minúcia uma das patas.
— Parece que éramos em maior número.
— Será porque estamos cheirando a lebre? — disse o cão pila coçando a orelha.
— Não seria a primeira vez.
A lebre estava sentada entre seus inimigos. Tinha assumido uma postura de cachorro. Em certo momento, até ela duvidou se era um cachorro ou uma lebre.
— Quem será este que está olhando para nós? — perguntou o dinamarquês preto, movendo uma só orelha.
— Nenhum de nós — disse o cão pila, bocejando.
— Seja lá quem for, estou muito cansado para olhar para ele — suspirou o dinamarquês tigrado.
De súbito, ouviram-se vozes, que chamavam:
— Dragão, Sombra, Ayax, Lurón, Senhor, Ayax.
Os cachorros saíram correndo e a lebre ficou imóvel por um momento, sozinha, em meio à campina. Mexeu o focinho três ou quatro vezes, como se estivesse farejando um objeto afrodisíaco. Deus, ou algo parecido a Deus, a estava chamando, e a lebre, talvez revelando sua imortalidade, fugiu num salto.
A lebre estava sentada entre seus inimigos. Tinha assumido uma postura de cachorro. Em certo momento, até ela duvidou se era um cachorro ou uma lebre.
— Quem será este que está olhando para nós? — perguntou o dinamarquês preto, movendo uma só orelha.
— Nenhum de nós — disse o cão pila, bocejando.
— Seja lá quem for, estou muito cansado para olhar para ele — suspirou o dinamarquês tigrado.
De súbito, ouviram-se vozes, que chamavam:
— Dragão, Sombra, Ayax, Lurón, Senhor, Ayax.
Os cachorros saíram correndo e a lebre ficou imóvel por um momento, sozinha, em meio à campina. Mexeu o focinho três ou quatro vezes, como se estivesse farejando um objeto afrodisíaco. Deus, ou algo parecido a Deus, a estava chamando, e a lebre, talvez revelando sua imortalidade, fugiu num salto.
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