Existe uma parcela da sociedade brasileira — talvez pequena, mas certamente aguerrida, a julgar pelas mensagens furiosas que de lá me chegaram ao longo dos anos — que considera a linguagem um não assunto. Escrever sobre ela seria o modo mais garantido de perder tempo, uma revoltante inutilidade.
Trata-se de um equívoco de grandes proporções. As palavras nos falam dos pés à cabeça, do nascimento à morte, estejamos dormindo ou acordados. Ainda assim, para essas pessoas, não se pode falar delas. Como se a linguagem fosse um ponto cego, uma paisagem que, de tão vista, já não conseguimos ver. Apontá-la é inútil porque parece não haver nada lá.
Certa vez o escritor americano David Foster Wallace abriu um discurso de paraninfo contando uma fábula singela. Dois peixes jovens cruzam com um peixe mais velho, que lhes pergunta:
— Como está a água hoje, rapazes?
Os dois não respondem e, quando o veterano se afasta, se entreolham:
— Água? O que é água?
Sérgio Rodrigues, "Viva a língua brasileira"
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