sexta-feira, junho 3

Ternura

É preciso viver a vida com ternura. Não importa que seja um pouco. Vale viver no tempo cativante que o dia oferta quando os seus ares se fazem verdes. Felizes, tudo transformam nesse momento fugaz, que comove, com seus lampejos trêmulos de amor. Pode até ser ilusão esse momento que sentimos, mas com suas asas brandas, cores e sons que acalmam, é bom que se repita, mostre que é capaz de reverter o que é triste em dons da felicidade.

Ternura é esse cuidado que a mãe tem quando diz ao filho que primeiro é a obrigação depois a distração. Com verões e graça, tudo na vida passa. E o pai ao se despedir do filho, sorrindo de contente, diz que você já é um homem, vá em paz, não se perca, nem esqueça que sempre estou aqui. Logramos extrair no acento circunflexo da palavra avô sensações que se alimentam de ternura, que não esquecemos, pois um homem assim, no terminal das estações acumuladas com saber, consegue o feito de ter o coração duas vezes com açúcar, tanto ele cativa e torna a vida doce.

A ternura da natureza tem seus hábitos protetores, que se proliferam e também cativam, seguindo uma ordem onde tudo é vida ou morte, mas com ordem. O passarinho transmite sua afeição pela vida quando leva no bico o graveto para fazer o ninho. Daqui a pouco estará levando no bico a comida para os filhotes. Daqui a pouco estará voando com os filhos numa alegria que a natureza há tempos vem inventando durante as estações.

A natureza mostra sempre que os bichos vivem à sua maneira, cheios de ternura. A onça mais feroz fica mansa, ao lamber as crias com a língua crespa, em ritual de afago e lambidas. Ai de quem tente interromper seu amor às crias nessa hora mansa, em lambidas de doçura. Sua careta é tão feia que o mais corajoso predador sai em disparada para num instante não virar janta da mãezona zangada.

O gavião manso amanhece quando descobre a parceira para construir uma nova família. Lá estão eles bem no alto, com os bicos que se tocam e asas que abraçam. Lá como cá, embora fujam do verde odores do que encanta, a vida prossegue, além o azul inocente ressoa. Doce e eterna ternura penetra os seres e as coisas, revestindo nossa existência com o vento, o sol e a chuva. É verdade, a ternura com seus pendores perdura dentro de cada um de nós.

Aconteceu que certo dia o menino sorriu o sorriso mais feliz do mundo quando pela primeira vez entrou com o pai no estádio superlotado. Todo alegre ia ver o seu time querido disputar a partida final do campeonato. Antes de a partida ter início, virou-se para o pai com o rosto festivo, deu-lhe um beijo. Podia até não saber que estava fazendo um gol de placa com a marca da ternura, mas era o jogador mais incrível antes do vaivém da partida.

Outro dia, um menino, que acreditava em Papai Noel, quando viu o velhinho sentado na cadeira do supermercado, teve certeza que esse homem gordo, vestido numa roupa vermelha, crescida barba branca, soltava pelas mãos corações, ao mesmo tempo que sorria fazendo rô, rô, rô para cada um dos meninos.

No cinema, quando o mocinho salvava a mocinha dos bandidos que acabavam de assaltar o banco, o coração do menino queria saltar pela boca, de tanto alegria que tinha. O mocinho ganhava um beijo da mocinha. Na cena final a ovação era geral, o bem vencia o mal.

Ternura só faz bem, mesmo quando a cena é triste e com ela a gente nunca se acostuma. Daquela vez ele viu quando a mulher pediu para que ainda não descessem o caixão. Passou a mão no rosto do marido. Disse: “Vá em paz, fique certo que haverá no caminho a sua estrela-guia.”

Ternura serve para espantar os males. Ela opera o milagre de nascer no mesmo chão, adormecer sob a vigília da esperança. Acordar, erguer-se com leveza, sair por aí para acontecer com hesitante tremor enquanto dura a vida com os fios sem fim do sonho no amanhecer fundamental.
Cyro de Mattos

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