Depois de cinco meses da minha vida durante os quais não consegui escrever nada que me satisfizesse e dos quais poder nenhum vai me ressarcir, embora todos tivessem obrigação de fazê-lo, vem-me a ideia de tornar a falar comigo mesmo. Toda vez que me interroguei de fato, sempre respondi, sempre houve o que arrancar de mim, deste amontoado de palha que sou há cinco meses e cujo destino parece ser o de pegar fogo e arder no verão mais rapidamente do que o espectador é capaz de piscar. Se ao menos assim fosse! E que assim fosse uma dezena de vezes, porque não me arrependo nem sequer dessa época desditosa. Meu estado não é o da infelicidade e tampouco o de felicidade, não é o da indiferença nem o da fraqueza, não é cansaço nem o interesse em outra coisa, mas o que é então? Que eu não o saiba há de ter a ver com minha incapacidade de escrever. E esta, creio compreendê-la, ainda que lhe desconheça a razão. É que todas as ideias que me ocorrem não me ocorrem desde a sua raiz, mas somente a partir de algum ponto intermediário. Tente segurá-las, tente segurar-se numa haste de grama que só começa a crescer a partir da metade do caule. Alguns por certo logram fazê-lo; os acrobatas japoneses, por exemplo, que sobem por uma escada de mão apoiada não no solo, e sim nas solas erguidas dos pés do companheiro semideitado, e que tampouco se apoia na parede, mas ergue-se apenas e tão somente no ar. Eu não consigo, sem falar que minha escada não dispõe nem mesmo daquelas solas nas quais se apoiar. Naturalmente, isso não é tudo, e uma tal demanda tampouco basta para me fazer falar. A cada dia, porém, cabe voltar ao menos uma frase na minha direção, à maneira como hoje se voltam os telescópios na direção do cometa. Então, um dia, eu talvez venha a comparecer diante dessa frase, atraído por ela, como aconteceu no último Natal, por exemplo, em que fui longe a ponto de só por pouco conseguir ainda me segurar e parecia estar de fato no último degrau de minha escada, apoiada, porém, tranquilamente no chão e na parede. Mas que chão! E que parede! Ainda assim, a escada não caiu, de tanto que meus pés a comprimiam contra o chão, de tanto que a alçavam contra a parede.
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Catherine Clark Ellis |
Hoje, por exemplo, cometi três impertinências, contra um cobrador no bonde e contra alguém que me apresentaram — foram, pois, duas apenas, mas elas me doeram como uma cólica estomacal. Teriam sido impertinências da parte de qualquer um, mas mais ainda provindas da minha pessoa. Saí, portanto, de mim, lutei no ar em meio à névoa e o mais grave foi que ninguém notou que também em relação a meus acompanhantes cometi uma impertinência, tive de cometê-la; precisei fazer a cara adequada e arcar com a responsabilidade; mas o pior foi um de meus conhecidos não ter entendido minha impertinência como um sinal qualquer de caráter, e sim como o caráter em si, chamando-me a atenção para ela e admirando-se dessa minha impertinência. Por que não permaneço em mim? Agora por certo digo a mim mesmo: “Veja, o mundo se deixa golpear por você, o cobrador e a pessoa que lhe foi apresentada permaneceram tranquilos quando você partiu, e esta última chegou mesmo a se despedir”. Só que isso não significa nada. Você não vai alcançar coisa nenhuma saindo de si mesmo, mas, por outro lado, quanto vai perder permanecendo dentro do seu próprio círculo? A essa pergunta, respondo apenas: também eu preferiria deixar-me surrar no interior do meu próprio círculo a desferir golpes fora dele, mas onde diabos está esse círculo? Por um tempo, eu de fato o vi na terra, como se demarcado com cal, mas agora ele não faz senão pairar em algum ponto ao meu redor, ou nem sequer paira.
Franz Kafka, "Diários: 1909 – 1923"
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