Houve quem caçoasse do mineiro que tossia engasgado depois de levar um caixote. Saí humilhado ali da beirada, me sentei na areia e, aí sim, mirei o mar. Lancei sobre ele já então um olhar perspicaz, de quem o sabia cruel.
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Numa casa em construção, talvez no espaço que viria a ser a sala, vi pela primeira vez uma mulher nua. Noutro futuro cômodo, dois amigos esperavam a vez de vê-la — o combinado, seguido à risca, era apenas vê-la. Ansioso e sentindo-me vigiado, eu não poderia estar inteiro na cena, e não estava. Vi os seios de maneira muito clara, rijos ali onde de fato os seios crescem e ficam, mas todo o resto do corpo — não só o que eu buscava, desconhecia e até aquele momento estivera sempre encoberto, como também a cabeça, os braços, enfim, as partes públicas — não estava no lugar. A primeira vez que vi uma mulher nua, ela parecia um desenho de Picasso.
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A mãe da dona Antonieta, minha professora do terceiro ano do ensino fundamental, foi a primeira pessoa que vi morta. A diretora da escola nos levou ao velório e nós nos comportamos muito bem: não demonstramos medo, não evitamos estender a mão para a professora, alguns até mesmo deram-lhe um abraço. Em fila passamos ao lado do corpo, baixamos a cabeça com resignação, fizemos o sinal da cruz e saímos para a varanda. Não sei se tive dimensão do que aconteceria a partir dali, mas creio que, ao olhar aquela velha tão velha, decidi que não tocaria jamais num morto. E assim tem sido.
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A primeira vez que fui ao Maracanã, em 1971, foi a última que Pelé jogou pela seleção brasileira no Rio de Janeiro: era um amistoso contra a Iugoslávia, país que não existe mais. Eu não tinha dez anos, e o estádio lotado com mais de cento e trinta mil pessoas, um número inconcebível para quem, feito eu, vinha de uma cidade com menos de sessenta mil habitantes, chamou mais minha atenção do que o jogo em si, ainda que fosse também a primeira e a última vez que via Pelé. Os quatro gols do jogo, que terminou em dois a dois, só fui ver à noite, pela televisão.
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O primeiro poema que fiz era para uma canção, que eu e o Carlinhos, do alto de nossos oito anos, fizemos à beira do tanque da casa de meus pais. A letra dizia: “Vem, meu pedaço de papel, um papel não muito comum, mas uma folha de amor, uma folha de amizade”. Dois pirralhos, nos anos de 1960, deveriam falar de mocinho e bandido ou de corrida de carrinho de rolimã, nada a ver com folha de amor ou de amizade, a meus olhos de hoje, pouco condizente com o mundo infantil, coisa de gente mais velha. Não sei explicar o meu espanto, contudo, fosse eu meu pai ou minha mãe, temeria pelo futuro de seu filho, que dava mostras de que envelhecia bem antes da hora.
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Rola por aí que a velhice chega quando você se dá conta de que não faz, há algum tempo, algo pela primeira vez. Mentira. Velhos fazem várias coisas pela primeira vez, muitas, é verdade, como um sinal da decadência física (é a primeira vez que não se enxerga nem com óculos, é a primeira vez que não se ouve bem, é a primeira vez… a lista é grande) e outras, ainda que não sejam novidade na vida de ninguém, como a oportunidade de fazer pela primeira vez sem tanta ansiedade, sem tanta ignorância.
Além do mais, no meu caso pelo menos, será na velhice que vou morrer pela primeira vez.
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