É fácil e possível explicar-se o fato de que 99% dos seres humanos passam sempre uma fase de sua vida sem saber dizer o significado de sua existência.
Digamos que todos estes sentem-se nestas condições quando algo em sua vida rotineira não segue o curso normal – ou seja, quando saem da rotina. Também podemos dizer que isto acontece quando eles, afastando-se de sua vida de prazeres – e pensam ser felizes – têm tempo de pensar um pouco. E com que se deparam? Apenas descobrem que todos os caminhos levam à velhice, seguida do fato irremediável da morte. Alguns não se assustam com esse futuro, e logo retornam à sua felicidade medíocre. Mas – e os outros que ainda não localizaram essa felicidade? Simplesmente perdem todo sentido da vida e passam o resto desta em busca de uma explicação lógica que lhes diga o que fazem aqui.
Preparar um mundo melhor para nossos filhos? Que farsa, se nossos pais, nossos avós e tataravós, enfim, gerações de milênios e milênios, desde nossos antepassados trogloditas, viveram sempre com este ideal. E o que encontramos? Só misérias, o mundo cheio de preconceitos, guerras, rixas, fome e podridão, no qual as novas gerações pouco a pouco descobrem o vazio de suas vidas. Ao homem deveria ser dado um mundo só de felicidade, em que sua função seria apenas a de conservá-lo belo e humano, para sua posteridade, e não dar-se a ele um mundo sujo e podre onde, só de enfrentá-lo, suja-se também até a alma – se é que esta existe.
Às ruas saem às vezes levas e levas de pessoas a protestarem contra os abusos – de que adianta? Nada. As coisas continuam as mesmas. Apenas exaltam-se os ânimos daqueles que levantaram o protesto. Não aludi a este fato querendo com isso dizer que os protestos deveriam surtir efeito e sim acrescentar a isto que as pessoas que lançam um protesto – seja contra o que for – o fazem não só por outrem, mas sim, protestam contra algo que já sentiram ou têm medo de sentir. É um mundo ou um circo?
De que adianta ao homem a evolução da ciência? De que nos adianta conhecer outros planetas se o nosso tem tantas coisas a serem conhecidas? É evidente que o progresso da ciência nos traz alívio para as dores físicas, conforto e descanso para nosso corpo, divertimentos para a nossa família. Mas... à custa de quê? A descoberta do átomo, que tanto promete à humanidade, já custou quantas vidas? Quantas mais custarão? O progresso da engenharia moderna, da ciência em geral, a evolução enfim de toda a humanidade trouxeram-nos apenas coisas bonitas? Não. Para cada melhora, um instrumento de destruição. Nessa sequência de inventos e descobertas muitas vezes o resultado é realmente benéfico, mas, enquanto procuramos soluções para os problemas externos, criamos dentro de nós um outro mundo onde o sofrimento é muito maior. Não esqueçamos de que o mundo é muito paciente, suporta há muitos milênios os sofrimentos dos homens. Mas os homens poderão suportar por outros milênios os sofrimentos que pouco a pouco se agigantam?
Enfim, gostaria que alguém me respondesse a esta pergunta: nascemos e estamos vivendo com sofrimentos e alegrias, sonhos e lembranças – mas com que fim estamos aqui? Ou melhor: qual é o sentido da vida? A explicação de nossa existência, qual é?
Você que talvez esteja lendo estas palavras que nunca lhe passaram pela cabeça como pensamento, pense bem, e depois me responda.
Essas perguntas, essas perplexidades, já ocorreram a muitos e muitos. Não sei se eles souberam responder. Eu, não. Só sei lhe dizer que a vida não tem lógica. E que a beleza de ver é ilógica também.
Clarice Lispector, "Todas as crônicas"
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