Você ficaria, leitor amigo, como é natural, entre surpreso e encantado, sobretudo quando notasse que, ao sorrir, a sua diva mordia a pontinha da língua num tique faceiro. E mais encantado ainda quando, ao pedir um uísque, visse a empregada voltar com um coquetel rose, delicada beberagem à tona da qual estaria boiando, qual leve batel, uma pétala de rosa...
Depois de tomar uns oitenta desses, você ouviria a sua amiguinha adverti-lo contra os perigos de uma “carraspana”. Mas qual! Estando habituado ao uísque falsificado da maioria das nossas boates e bares, você nem estaria sentindo o anunciado “pifão”. Pelo contrário. Animadíssimo, colocaria uma “chapa” no gramofone e tiraria sua amiguinha para dançar um ragtime. Em seguida, mirando ao espelho a sua elegância – calça estreita de flanela, paletó azul-marinho cintado, camisa listada, gravata borboleta, sapato camouflage e chapéu de palhinha você, com uma graciosa pirueta de satisfação, convidaria sua amiguinha para uma saída:
– Vamos ao chá dançante do Palace Hotel?
E ela, com um muxoxo:
– Não, hoje eu preferia muito ir ver o Bataclan. Dizern que é “supimpa”.
Dado a coisas mais finas que o vaudeville ou o teatro de revista, você ainda tentaria convencer o seu "pedaço de mau caminho" a ir, em vez, à festa do Fluminense ouvir os Corsarinos e sua jazz band: um negócio do "balacobaco".
Mas a menina não estava nada para coisas muito formais.
Em vista do quê, você, leitor, estirando-se numa otomana, à luz do abajur cor bleu (como bem caraterizava o fox-trot “Hindustão”) você pegaria com um gesto displicente os poemas de Hermes Fontes, ou o La Garçonne de Victor Margueritte – e perdido entre bibelôs, esperaria que sua amiguinha se arrumasse “com uma rapidez de Fregoli”, conforme anunciara, referindo-se ao famoso transformista.
Mas essa arrumação tomaria tempo. Primeiro, desfazer os papelotes e desbastar a gaforinha – coisa que levava usualmente uma meia hora. Depois, enfiar as meias fumées, os sapatos mordorés, o chapéu canotier e passar no pescoço o renard argenté (uma magra raposinha a morder o próprio rabo). Só então a sua linda vigarista, depois de um último retoque ao espelho da entrada, iria à vida com você para diverti-lo um pouco à custa de uns magros “caraminguás”.
De volta ao tempo presente, leitor, você acharia que não era má a ideia de uma saída para ir ao 36 ver o Caymmi, ou ao Sacha's para gozar do refrigerado. Aí você passaria a mão no telefone, discaria um número, e quando a voz feminina lhe respondesse do outro lado você diria assim:
– Como é, ó vigarista? Mete aí um bom pano em cima de ti e vamos enfrentar um escurinho musicado. Não, nada de botar banca pra cima de mim. Eu te manjo. É isso mesmo. Vamos lá tirar a ficha da moçada. A gaita anda curta para o scotch mas dá para molhar a garganta com uma “loura”. Menina, hoje estou enxugando o fino! O couvert já está conversado. Você sabe que o papai mora no assunto. Taca peito.
Vinicius de Moraes, "Para viver um grande amor"
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