Cada noite que desce sobre uma espera vã traz-me à boca um gosto de vinagre, aos ouvidos um som qualquer que ensurdeça. Ninguém se disse adeus, e na ausência de luz alguém está morrendo sozinho.
Cada vez que não morremos parece-me que demos mais um passo para trás, progredimos no sentido inverso, chegamos, pois que nos levantamos para prosseguir. E nestes dias de indolência, oco, ânsia oculta, uma sensação de interminabilidade sobe, sobe, pelas veias sobe. Nada. Esta falta de segredo é uma chegada, no seu verdadeiro significado: chegada é sempre escala; ponto para respirar; pela penúltima vez, quem sabe.
Esta brisa marinha semimágica que entra tão sub-repticiamente pela janela denuncia o quê? ou liquefaz meus suspiros em mistério tátil e tácito. Meu Deus, de novo a brisa a me desalienar e desalinhar, despertando o borbulhar que o ano inteirinho pressentiu. Suspirosa e oleosa, uma tonta. Ligo o rádio. Será que eu fui engolida inteira? Faz de conta que a minha digestão é fácil, que as grandes partes se derreteram já, que os ossos cuspidos estão arrumados, insensíveis e ressecando. Ouvi dizer, li em algum lugar: Ana é idiota. Se conspirassem contra mim, talvez eu fosse. A noite despencou e quebrou três estrelas.
Ana Cristina César, “Inéditos e dispersos”
Nenhum comentário:
Postar um comentário