Ora a manhã desse dia nasceu com as nuvens brancas — mangonheiras∗ no princípio; negras e malucas depois — a trepar em cima do musseque. E toda a gente deu razão em vavó Xíxi: ela tinha avisado, antes de sair embora na Baixa∗, a água ia vir mesmo.
A chuva saiu duas vezes, nessa manhã.
Primeiro, um vento raivoso deu berrida∗ nas nuvens todas fazendo-lhes correr do mar para cima do Kuanza∗. Depois, ao contrário, soprou-lhes do Kuanza para cima da cidade e do Mbengu∗. Nos quintais e nas portas, as pessoas perguntavam saber se saía chuva mesmo ou se era ainda brincadeira como noutros dias atrasados, as nuvens reuniam para chover mas vinha o vento e enxotava. Vavó Xíxi tinha avisado, é verdade, e na sua sabedoria de mais velha custava falar mentira. Mas se ouvia só ar quente às cambalhotas com os papéis e folhas e lixo, pondo rolos de poeira pelas ruas. Na confusão, as mulheres adiantavam fechar janelas e portas, meter os monas∗ para dentro da cubata, pois esse vento assim traz azar e doença, são os feiticeiros que lhe põem.
José Luandino Vieira
∗ mangonheiro — preguiçoso, lento; malandro, vadio.
∗ Baixa — parte baixa da cidade de Luanda; centro comercial.
∗ berrida — corrida. Dar barrida — dar uma corrida (em alguém); afugentar, afastar com violência; expulsar.
∗ Kuanza — principal rio de Angola; nasce no planalto do Bié e deságua ao sul de Luanda.
∗ Mbengu — rio de Angola, a norte de Luanda.
∗ mona — criança.
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