Com a euforia da entrada dos e-books no país, o maior protagonista do mercado livreiro parece um pouco esquecido, para não dizer jogado para lateral. O personagem é aqui revivido no artigo de Torrieri Guimarães, publicado na revista ANL, da Associação Nacional de Livrarias. Como afirma Torrieri, "o livreiro semeia livros. Não colhe aplausos, mas tem em cada cliente conquistado a gratíssima certeza do dever cumprido". Eis o artigo:
O LIVREIRO, HERÓI ANÔNIMO
Vemos exaltados, com frequência, na mídia, escritores e editores e, na maioria dos casos, com inteira justiça pelo trabalho que realizam. Na cadeia produtiva do livro, porém, há um grande herói anônimo que, apesar de sua comprovada importância, quase nunca é lembrado. Ficaram na memória dos que acompanham o movimento editorial algumasfiguras exponenciais, como os franceses Garnier e Garraux, o carioca Francisco Alves, os paulistas José Olympio (que começou sua carreira na Casa Garraux, em São Paulo, aos 18 anos) e Monteiro Lobato, que nacionalizou a impressão e a venda de livros em grande escala. Ainda no começo deste século, Lobato, tentando suprir a falta de livrarias, lançou o projeto de vender livros em farmácias, quitandas e onde mais houvesse pessoas interessadas nesse difícil mister.Menos do que um comerciante típico (embora precise sê-lo), o livreiro no Brasil é a pessoa que tem um vínculo muito forte, quase afetivo, com o livro, que o respeita mais do que uma simples mercadoria, defendendo-o como indispensável à formação da personalidade, ao aprimoramento cultural, e como ferramenta para o crescimento profissional em todas as áreas.Na sua loja, discreto, amável, silencioso, sem o estardalhaço publicitário de outros ramos de comércio – que a pequena margem de lucro de seu negócio impossibilita –, o livreiro tem sido, nos dois últimos séculos, o profissional que mantém azeitadas e funcionando as engrenagens da indústria do livro no Brasil. Conheci alguns que, depois de 50 anos de trabalho diário em sua livraria, pernas já vacilantes, ganhavam novas forças, subiam altosdegraus de escadas, para apanhar um livro pedido pelo freguês – pelo simples prazer do atendimento.Não há nenhum reconhecimento explícito ao seu trabalho – e ele não o reivindica.Ao contrário, sempre que pode, em seminários e convenções, apenas levanta sua voz para lembrar a importância do livro, do hábito da leitura, a necessidade de medidas que reforcem a presença do livro como veículo de cultura e base da Educação. Nos últimos anos triplicou o número de livrarias no Brasil. Surgiram as megas nas cidades grandes, cresceu a presença do capital estrangeiro, cuida-se de oferecer a leitura por todos os meios físicos e eletrônicos. Em todo o Brasil há uma cruzada pela leitura, em programas privados e do Governo.Surgem novos canais de venda, informatizados. E de tudo isso se beneficia a nossa gente, graças ao trabalho silencioso, anônimo, perseverante, do livreiro, seja nas metrópoles, seja nas pequenas cidades deste país imenso.Muitas vezes ele é a sentinela mais avançada nos povoados distantes, vigilante oferecendo a sua inestimável cooperação. Num país onde a Educação ainda é precária, no qual crianças mal aprendem a ler e escrever e o analfabetismo ainda é uma nódoa vergonhosa, o livreiro faz seu importante trabalho.O livreiro semeia livros. Não colhe aplausos, mas tem em cada cliente conquistado a gratíssima certeza do dever cumprido. E isso lhe basta.
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