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Quando chega a fase em que os gorjeios começam a parecer cacarejos, o passarinho deve pedir ao dono que o leve com a gaiola para dentro de casa e ali o deixe ficar até a morte. Que seja poupado dos impiedosos olhos do sol e da zombaria dos passarinhos jovens.
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Eu a chamei de Caperucita. Ela não entendeu e, por não entender, não notou também a insinuação de lobo que eu, com todo o meu improvável charme, tentava lhe impingir. À nossa frente, a floresta era toda convites.
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Às vezes, o senso comum se rebela e adota um estilo próprio.
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Nunca leiam sonetos. A única e descarada missão deles é provar que o amor existe. Ou não.
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Se aspiras à glória, pensa em como ela deve estar aquecendo agora o coração de Shakespeare.
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Os que morrem por amor são sempre aqueles tidos como idiotas antes desse gesto grandioso. E depois também.
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O passarinho da literatura todo dia vem nos acordar com sua impostura cruel: trabalhar, trabalhar, trabalhar – quem não trabalha não ganha o Nobel.
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Constrangidos por só falarem de amor, os poetas às vezes se aventuram por outros temas. É quando os leitores menos gostam deles.
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À inquietação da carne o amor não traz cura ou sossego – é só placebo.
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Morrer é uma das aporrinhações da vida, assim como ir ao dentista. A diferença é não haver dia e hora marcados.
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Quando menino, uma tarde pensei em deixar que minha pipa ficasse no céu até a chegada da noite. Talvez na volta ela pudesse me contar como é uma estrela vista de perto.
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Para montar uma farsa, o amor precisa só de um tolo e uma comparsa.
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Morrer pela literatura é um projeto que, se eu não o apressar, será precedido pelo prosaico processo de morte natural, com as causas costumeiras: cardiopatia, diabetes, pancreatite, pneumonia.
Raul Drewnick
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