São dias em suspenso – nada começa, nada termina. A sensação de que tudo já passou faz com que as pessoas se sintam exaustas. Algumas contentes, outras cabisbaixas, mas todas invariavelmente melancólicas. Melancólicas como se estivessem passando certa madrugada em claro, insones e solitárias, a observar a imensidão de janelas apagadas da cidade. Um clima desconcertante, que não admite muito balanço de corpo nem agitação de espírito.
Barnabé descobriu a melodia trabalhando num arranjo do samba “Luz negra”, de Amâncio Cardoso e Nelson Cavaquinho – o mais melancólico de todos os nossos compositores. “Ano bom”, portanto, não poderia se dedicar a outro assunto que não fosse o intervalo de incomparável tristeza agridoce entre uma festa e outra.
Só há três maneiras de atravessar esse vão do calendário que, aliás, não tem nome: esperando pelo 31, apegando-se ao 25 ou, para os mais abastados, transformando-se em almofada do sofá a digerir a infindável ceia natalina, que se desdobra em outras refeições e petiscadas fora de hora.
Os mais pendentes para o lado do 31 tendem a esboçar sua otimista lista de desejos e promessas que é inútil, pois a modesta canoa do novo ano, que alguns pensam ser um cruzeiro do Roberto Carlos, não acomodará todos os ensejos e muito se perderá no mar bravio que atravessaremos. Os partidários do 25 fazem balanços do ano que se vai, encaram o espelho da autocrítica como quem julga um rosto maquiado e tentam compreender tudo pelo que passaram, achando graça em descobrir que algumas coisas estão mais conectadas do que aparentam. Sentem-se mais sábios, embora às vezes se pareçam com uma criança que força peças do quebra-cabeça que não se encaixam.
De um jeito ou de outro, todos somos acometidos pela melancolia do vão, uma parada obrigatória para aprendermos a conviver com o tédio da vida, um Engov na jornada etílica, um dia longo em que apenas se observa, calado, do alvorecer ao pôr-do-sol.
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