Se você o leu e não gostou, minta. Procure ajuda profissional. Nunca diga algo como "Dostoiévski não está com nada" porque queima seu filme.
Costumo dizer isso para meus alunos de graduação. Eles riem. Aliás, um dos grandes momentos do meu dia é quando entro numa sala com uns 30 deles. Inquietos, barulhentos, desatentos, mas sempre prontos a ouvir alguém que tem prazer em estar com eles. Parte do pouco de otimismo que experimento na vida (coisa rara para um niilista... risadas) vem deles.
Devido a essa experiência, costumo rir de muito blá-blá-blá que falam por aí sobre "as novas gerações".
Um exemplo desse blá-blá-blá são os pais e professores dizerem coisas como: "Essa moçada não lê nada".
Na maioria dos casos, pais e professores também não leem nada e posam de cultos indignados. A indignação, depois da Revolução Francesa, é uma arma a mais na mão da hipocrisia de salão.
Mas há também aqueles que dizem que a moçada de hoje é "superavançada". Não vejo nenhuma grande mudança nessa moçada nos últimos 15 anos. Mesmas mazelas, mesmas inquietações do dia a dia.
Nada mais errado do que supor que eles exijam "tecnologia de ponta" na sala de aula (a menos que a aula seja de tecnologia, é claro). Atenção: com isso não quero dizer que não seja legal a tal "tecnologia de ponta". Quero dizer que "tecnologia de ponta" eles têm "na balada". O que eles não têm é Dostoiévski.
O "amor pela tecnologia" é sempre brega assim como constatamos o ridículo de filmes com "altíssima tecnologia de ponta" comum nos anos 80 e 90 (tipo "Matrix"). Hoje, tudo aquilo parece batedeira de bolo dos anos 50. O que hoje você acha "sublime" na histeria dos tablets, amanhã será brega como os computadores dos anos 80.
Dostoiévski é eterno como a morte. Mas eis que lendo uma excelente entrevista com um psicólogo professor de Yale na página de Ciência desta Folha da última terça (19) encontro um dos equívocos mais comuns com relação a Dostoiévski.
O professor afirma que agir moralmente bem não depende de crenças religiosas. Corretíssimo. Qualquer um que estudar filosofia moral e história saberá que acreditar em Deus ou não nada implica em termos de "melhor" comportamento moral. Crentes e ateus matam, mentem e roubam da mesma forma.
E mais: se Nietzsche estivesse vivo veria que hoje em dia -época em que ateus são comuns como bananas nas feiras- existe também aquele que vira ateu por ressentimento.
Nietzsche acusa os cristãos de crerem em Deus por ressentimento (o cristianismo é platonismo para pobre). Temos medo da indiferença cósmica, daí "inventamos" um dono do Universo que nos ama e, ao final, tudo vai dar certo.
Quase todos os ateus que conheço o são por trauma de abandono cósmico. Se o religioso é um covarde assumido, esse tipo de ateu (muito comum) é um "teenager" revoltado contra o "pai".
Mas voltando ao erro na leitura de Dostoiévski. Do fato que religião não deixa ninguém melhor, o professor conclui que Dostoiévski estava errado quando afirmou que "se Deus não existe, tudo é permitido". Erro clássico.
Essa afirmação de Dostoiévski não discute sua crença, nem o consequente comportamento moral decorrente dela (como parece à primeira vista). Ela discute o fato de que, pouco importando sua crença, se Deus não existe, não há cobrança final sobre seus atos. O "tudo é permitido" significa que não haveria "um dono do Universo" para castiga-lo (ou não), dependendo do que você fizesse.
Claro que isso pode incidir sobre seu comportamento moral, mas apenas secundariamente. A questão dostoievskiana é moral e universal, não pessoal. Pouco importa sua crença, a existência ou não de Deus independe dela, e as consequências de sua existência (ou não) cairão sobre você de qualquer jeito. O problema é filosófico, e não psicológico.
O cineasta Woody Allen entendeu Dostoiévski bem melhor do que o professor.
Luiz Felipe Pondé (Folha de S.Paulo - 25 de julho de 2011)
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