Mas era um lugar. Um lugar onde eles podiam morar juntos, num tempo em que em lugar nenhum era possível fazer isso legalmente. O aluguel do apartamento era alto para os dois na época, porém o preço incluía uma certa cumplicidade da parte do proprietário do prédio e do zelador; nada é de graça quando pessoas respeitadoras da lei correm algum risco de violá-la. Como locatário, ele tinha o tipo de nome inglês ou europeu que não diferia da maioria dos outros nomes nas caixas de correio dos moradores, ao lado do elevador na entrada; lá havia um cacto num vaso, em vez do arvoredo. Ela era apenas a “sra.” acrescentada como apêndice. Eles eram casados, de verdade, embora isso também fosse ilegal. No país fronteiriço onde ela se exilou para poder estudar, e ele, um jovem branco cuja militância política o obrigava a desaparecer da universidade da cidade por algum tempo, eles dois, afoitos, ignorando a consequência que seria inevitável quando voltassem para seu país, se apaixonaram e se casaram.
De volta à África do Sul, ela foi trabalhar como professora numa escola particular administrada pelos padres de uma ordem católica tolerada à margem da educação pública racialmente segregada, onde podia usar seu sobrenome de nascimento com base em princípios não raciais.
Ela era negra, ele era branco. Nada mais importava. Identidade era só isso, naquele tempo. Simples como as letras negras nesta página branca. Por causa dessas duas identidades, eles transgrediam. E conseguiram se dar bem, mais ou menos. Não eram tão visíveis, nem politicamente tão conhecidos, que valesse a pena processá-los nos termos da Lei da Imoralidade: melhor seria mantê-los em observação, segui-los, por um lado, na expectativa de que deixassem pistas que levassem a militantes de mais peso, ou pela possibilidade de que fossem recrutados para fazer relatórios referentes ao seu nível de envolvimento, fosse o de dissidentes ou o de revolucionários. Na verdade, ele era um daqueles que, quando estudante, fora abordado discretamente com indiretas sutis baseadas no patriotismo ou, talvez, na suposição igualmente natural de que os jovens precisam de dinheiro, tendo sido deixado claro que ele não deveria se preocupar, pois sua segurança pessoal estaria garantida, bem como sua situação financeira, se ele se lembrasse das coisas que eram ditas nas reuniões a que ele estava presente e desempenhava seu papel. Engolindo uma golfada de repugnância e imitando o tom da abordagem, ele recusou a oferta — sem que o homem se desse conta de que a rejeição não era apenas da oferta, mas também da pessoa que se prestava ao papel de cafetão da polícia política.
Ela era negra, ele era branco. Nada mais importava. Identidade era só isso, naquele tempo. Simples como as letras negras nesta página branca. Por causa dessas duas identidades, eles transgrediam. E conseguiram se dar bem, mais ou menos. Não eram tão visíveis, nem politicamente tão conhecidos, que valesse a pena processá-los nos termos da Lei da Imoralidade: melhor seria mantê-los em observação, segui-los, por um lado, na expectativa de que deixassem pistas que levassem a militantes de mais peso, ou pela possibilidade de que fossem recrutados para fazer relatórios referentes ao seu nível de envolvimento, fosse o de dissidentes ou o de revolucionários. Na verdade, ele era um daqueles que, quando estudante, fora abordado discretamente com indiretas sutis baseadas no patriotismo ou, talvez, na suposição igualmente natural de que os jovens precisam de dinheiro, tendo sido deixado claro que ele não deveria se preocupar, pois sua segurança pessoal estaria garantida, bem como sua situação financeira, se ele se lembrasse das coisas que eram ditas nas reuniões a que ele estava presente e desempenhava seu papel. Engolindo uma golfada de repugnância e imitando o tom da abordagem, ele recusou a oferta — sem que o homem se desse conta de que a rejeição não era apenas da oferta, mas também da pessoa que se prestava ao papel de cafetão da polícia política.
Ela era negra, mas isso agora é muito mais complexo do que o início e o fim da existência conforme registrada num arquivo ultrapassado de um país ultrapassado, muito embora o nome permaneça o mesmo. Ela nasceu naquele tempo; seu nome é uma assinatura do passado de sua origem, batizada na igreja metodista em que um de seus avôs fora pastor, e seu pai, diretor de uma escola local para meninos negros, era presbítero, sendo sua mãe presidente da sociedade feminina da igreja. A Bíblia era a fonte do primeiro nome de batismo, seguido do segundo, africano, o qual as pessoas brancas — que a criança teria que aprender a agradar, e com quem teria de lidar neste mundo — não associavam a nenhuma identidade. Rebecca Jabulile.
Ele era branco. Mas também isso não é tão definitivo quanto era codificado nos arquivos antigos. Nascido na mesma época, uns poucos anos antes da mulher, ele é um branco misturado — uma mistura que não tinha nenhuma importância desde que os elementos fossem todos brancos. Na verdade, a mistura dele é bem complicada em certos termos de identidade que não são determinados pela cor. Seu pai era gentio, não religioso, cristão apenas nominal, e sua mãe era judia. A identidade da mãe é decisiva na identidade de um judeu, a mãe cuja relação com a criança concebida está acima de qualquer dúvida. Se a mãe é judia, então o filho também pertence à fé, o que naturalmente implica a circuncisão ritual. O pai, é claro, não fez nenhuma objeção, e talvez, como muitos agnósticos e até mesmo ateus, no fundo tivesse inveja daqueles que praticam a ilusão de uma fé religiosa — ou então estava apenas fazendo a vontade da mulher que amava. Se era isso que ela queria, se era importante para ela de uma maneira que fugia à sua compreensão… Que o prepúcio fosse cortado!
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