É no passado que vemos o tempo como se fosse o espaço. Tudo fica longe, na distância em que o passado é uma imensa campina vertiginosa, como se caíssemos de uma grande altura e o tempo da queda, a distância, nos tornasse imóveis, como acontece com os mergulhadores dos penhascos, que vão caindo numa enorme velocidade e no entanto para eles não se cai nunca. Assim caímos na recordação. Nada parece ter se movido, nada mudou porque estamos caindo a uma velocidade constante e só os que nos veem de fora, vocês leitores, se dão conta de quanto descemos e a que velocidade. O passado é essa terra imóvel da qual nos aproximamos com um movimento uniformemente acelerado, mas o trajeto — tempo no espaço — nos impede de nos afastar para ter uma visão que não esteja afetada pela queda — espaço no tempo — voluntária ou involuntária. O tempo, mesmo detido, dá vertigem, que é uma sensação que só o espaço pode dar.
O passado só se faz visível através de um presente fictício — e no entanto toda ficção perecerá. Não restará então do passado mais que a memória pessoal, intransferível. Não me interessa a impostura literária mas a verdade que se diz com palavras que necessariamente vão umas atrás das outras embora expressem ideias simultâneas. Sei que uma frase é sempre uma questão moral. Há uma memória ética? Ou é estética, isto é, seletiva?
A memória é outro labirinto em que se entra e às vezes não se sai. Mas são fantásticos, inúmeros, os corredores da memória, fora da qual há um só tempo real que é aquele que se recorda — isto é, eu mesmo agora quando a máquina de escrever é a verdadeira máquina do tempo.
Escrever, o que faço agora, não é mais que uma das formas que a memória adota. O que escrevo é o que recordo — o que recordo é o que escrevo.
Entre ambas as ações estão as omissões — que são os interstícios, o que resta. Isto é, meu buraco: o espaço do tempo recordado. É tão fácil recordar, tão difícil olvidar... Não é o que diz a canção? Ou diz...? Não me lembro, olvidei. Recordar é gravar num idioma ou outro. Mas olvidar não tem equivalência...
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