quinta-feira, agosto 24

Eu, leitor, confesso...

Para mim, a leitura transformou-se de obrigação em paixão, vício, fuga, etc, etc, etc. Obrigação porque agora me lembro que o pai (usando o tom de Carlos H. Cony) insistia, durante a infância/adolescência, na leitura – imaginem! – até de enciclopédias (Conhecer, com fascículos distribuídos em bancas nos anos 70). Como era maçante – mas também no campo, época de semear é feia, cheira mal, e, de repente, que transformação! Eis que chega a colheita – florida, cheirosa, rica e prazerosa.

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Sim, sou um leitor amador, com certa lógica (minha), em que uma palavra puxa outra; um autor, outra autora; um filme, um livro; ou ao contrário, desde que essa leitura traga inflamação (calor, rubor, tumor e dor), que transporte não só para outros sítios, mas principalmente pra dentro de outras personalidades, atos (aqueles que não posso ou quero), pesquisa das sensações humanas. Ah! Que delírio ler um autor contando aquilo que passou ou gostaria de ter passado, por um lado tão inusitado que te joga contra as paredes do auto-conhecimento.

Bem, acima de tudo, leitura pra mim é pura distração, diversão, passatempo, hobby, "previdência privada" (pro futuro, tanto os não lidos quanto os lidos, que espero repetir em busca de sensações maiores).

Onze pequenos e grandes prazeres de um leitor amador:

1. Entrar numa livraria, abrir um livro de poesia, cair naquele poema que parece que foi escrito naquele momento e diretamente pra você. Ex.: Paulo Bonfim, "Epitáfio para o meu silêncio".

2. Ler Henry Miller, Trópico de Câncer, pensando ser livro de "sacanagem" e descobrir, no fim, talvez a melhor definição de pra que servem os artistas e a arte.

3. Nunca ter lido Rubem Braga e, na primeira vez, ler a crônica "Os Pés do Morto".

4. Não admitir sair de uma livraria sem comprar nada, comprar um autor desconhecido, capa interessante, chegar em casa, começar a ler, não parar, ir até o fim, adorar a simplicidade e a maravilha da estória (A Máquina, de Adriana Falcão).

5. Ter lido um romance (que era o único largado num rancho de pescaria), nunca mais encontrá-lo e após sete anos receber um telefonema de um sebo pra ir buscá-lo (Sobre Heróis e Tumbas, de Ernesto Sábato).

6. Imaginar-se no amor de Florentino Ariza e Fermina Daza naquele cruzeiro no caribe colombiano (O Amor nos Tempos do Cólera, Gabriel G. Marquez).

7. Sentir-se como se fosse o próprio Paul Auster em O Inventor da Solidão.

8. Saber que Martha Medeiros é viva, tem a mesma idade que você, está apenas a mil quilômetros e pode a qualquer momento lançar outro livro.

9. Abrir a Folha de S. Paulo de sexta-feira, procurar na ilustrada a crônica do Carlos H. Cony como primeira leitura da manhã, tendo certeza de que não será sobre o FHC.

10. Assistir a um filme argentino na TV, desconhecido, ser atraído por citações poéticas, gravar os créditos, descobrir Mario Benedetti. Na mesma hora comprar pela internet o que encontrou (Antologia Poética), receber depois de três dias, abrir, esganado, esfomeado, cair no poema "Intimidade".

11. Todos os próximos que certamente estão por vir...

Ricardo Wagner Modes 

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